É preciso a magia dos contos de fadas

julho 30, 2021

Vivemos tempos de uma dura realidade, quase não sobra tempo para buscar a magia do “faz de contas”, aliás, parece até que, nos dia de hoje, flertar com o lúdico, com a fantasia do mundo da imaginação, passou a ser quase uma heresia, tamanho o mergulho na realidade que às pessoas se propuseram a dar, se entregando à dureza do dia a dia, à amargura, à desesperança, não se permitindo se quer um minuto de sonho.

Mas parece que está fazendo muita falta essa fuga da realidade nos dias de hoje, pois muitos não conseguem sair, ainda que seja um único instante, da cruel realidade que nos esmaga, deixando as pessoas céticas, sem alegria e achando a vida chata e até perversa. A vida nunca foi fácil, todos já estamos cansados de saber e é, por isso mesmo que, se permitir um mergulho em uma outra realidade, pode ser tão reparador.

Não podemos passar vinte e quatros do dia, sete dias da semana, trinta dias de um mês, remoendo às agruras da vida, isso mina a nossa resistência e nos tira a capacidade de manter o equilíbrio diante das dificuldades da vida que temos que enfrentar, diariamente, poder se permitir viajar, vez ou outra ao mundo da imaginação, ao universo do “faz de contas”, se deixar se encantar pelos contos de fadas, é fundamental para preservar nossa saúde emocional.

É óbvio que temos lutas para travar, aliás, sempre tivemos, o mundo sempre teve o seu conflito, mas não podemos tirar da criança, essa possibilidade de poder imaginar um mundo melhor. O lúdico é combustível para a formação de uma criança, deixar que ela conheça o mundo da imaginação, a poesia dos contos de fadas, serve justamente de contra ponto quando você tiver que mostrar à ela o lado duro da realidade da vida.

Todos nós sabemos das dificuldades da vida, que o mundo da imaginação, jamais será o mundo real, mas, não podemos tratar tudo a ferro e a fogo, se perdermos de vez a magia, tudo ficará ainda mais difícil, por isso, não podemos deixar que os contos de fadas se percam, pois é com eles que se aprende a sonhar e sonhar é o combustível para se buscar o impossível. Quando deixamos de sonhar, acabamos, de certo modo, desistindo da vida.


Como recuperar o tempo perdido?

dezembro 4, 2020

Quando fomos surpreendidos pela pandemia, não tivemos tempo de quase nada, da noite para o dia nossas vidas mudaram, acabamos em um isolamento social e vimos muitas atividades serem paralisadas, diante de uma nova realidade que se apresentou, adaptação passou a ser a palavra de ordem, mas entre todas as atividades atingidas pela paralisação, a mais afetada foi à área da Educação que teve de uma hora para outra reinventar o jeito de atuar.

Mesmo que muitas organizações buscaram, no primeiro momento, uma maneira, cada qual com seu jeito particular, para que não houvesse perda do ano letivo planejado, não tem como dizer que os objetivos educacionais foram alcançados, pois, apesar de todo esforço, com certeza, houve um prejuízo enorme, principalmente para às crianças da primeira infância, aquelas que frequentam desde à pré-escola até o fim do primeiro ciclo educacional.

Essa turminha, que ainda engatinha pelo mundo das letras e dos números, da socialização, da ambientação e do seu aprendizado, foi, sem sombras de dúvidas, a que mais sofreu com a paralisação das aulas e com a mudança da forma de aprender, de uma hora para outra, não puderam mais ir às escolas para realizar suas tarefas, tendo que se adaptar a uma educação virtual, que, por mais esforço do professor, acabou sim, prejudicando o aprendizado.

Se ainda olharmos para além dos muros das escolas e do todo processo de aprendizado e estendermos o nosso olhar para a questão social, aí, o grau de prejuízo para essa turminha foi muito mais relevante, pois o que vimos é o quão grande é, a nossa desigualdade social, que, com certeza, o prejuízo que essas crianças tiveram em todo o seu processo de aprendizado, jamais será recuperado, tanto na questão educacional, quanto na questão da interação.

É claro que fomos todos pegos de surpresa e que muito pouco se pôde fazer para encontrar um modelo de educação que causasse o mínimo de prejuízo no aprendizado dessas crianças, mas tão desigual quanto é a educação, é a questão social e, por mais que se buscasse uma forma para colocar todos no mesmo ritmo, isso não foi possível e agora como recuperar esse tempo perdido? Isso fará muita falta para essas crianças lá na frente.

O pior de tudo é constatar o descaso dos governos para com esse problema, pois pouco se houve falar do prejuízo que esses alunos da primeira infância estão passando com o atraso de seu aprendizado. Em um país em que o índice de analfabetismo ainda é grande e que a evasão escolar um problema crescente, ver essa turminha sem poder frequentar a escola e a falta de atitude governamental sobre o tema, é constatar que ainda continuaremos muito tempo atrasados na educação de nossas crianças.


O nascimento do Joãozinho

maio 31, 2019

Quando Joãozinho chegou, toda a família ficou em festa, enfim, havia chegado o herdeiro daquela família que a muito já se ansiava. O avô tratou de comprar-lhe logo uma bicicleta, a avó, corujíssima, deu-lhe logo um vídeo-game de última geração. Os pais, esses então, não sabiam o quê fazer. João, o pai, não poupou dinheiro, e a mãe, Maria, tratou de decorar o quartinho do pequeno Joãozinho com o que havia de mais caro.

Joãozinho era tratado como um verdadeiro príncipe, as tias e os tios, lhe davam de tudo, nunca soube de um menino tão mimado assim. Se ele espirrava, logo vinham três de uma vez, só para acudir o pequeno Joãozinho. A impressã era que Joãzinha era de cristal e podia se quebrar a qualquer instante.

Cercado de todos os cuidados, Joãozinho, recebia carinho de todas as partes. Sempre tinha alguém preocupado com o bem estar do pequeno, que aos poucos, foi entendendo todo aquele excesso de carinho, e esperto como ele só, tratou de aproveitar às mordomias.

Tinha fome, abria o berreiro, pois sabia que não demoraria muito para tê-la saciada. Tinha sono, abria o berreiro, pois sabia que não demorava muito, teria um colo aconchegante acalantando o seu corpinho.

Joãozinho não queria saber de mais nada, tamanha era assistência que recebia dos seus. Não havia quem conseguisse fazê-lo dormir no carrinho ou no berço. À noite era uma choradeira só, um pouco no colo da mãe, um pouco no colo do pai, em um revezamento que durava a madrugada inteira.

Aquela altura, o pequeno Joãozinho já se recusava a mamar nos seios da mãe, por certo, sugar o leite já lhe dava muito trabalho para quem, já tinha tudo na mão.

Mas, sem se darem conta que, com aqueles pequenos mimos e caprichos, às manhas do pequeno Joãozinho aumentava de proporção e todos perderam conta de quanto aquele excesso de carinho estava sendo prejudicial para o desenvolvimento do pequeno.

Os primeiros meses do pequeno Joãozinho foi um encantamento só, mas também foram de muita canseira, principalmente para mãe, que mal conseguia dormir à noite, de tanto que o pequeno Joãozinho chorava, só queria saber de colo. Já havia acostumado com isso. Os pais até tentavam ser um pouco mais severos com o pequeno, mas aquele rostinho fazendo biquinho, o levavam ao chão e o quê até então parecia ser uma bronca, passava a ser um festival de beijos, abraços e fotos, que depois eram todas mostradas para toda família, que babava de felicidade.

Como dava trabalha aquele pequeno serzinho de aparência tão frágil! Mas era a maior joia que aquela família havia conquistado até então. Nada era demais, nada era suficiente, para o pequeno Joãozinho, sempre tudo e muito mais.

Os primeiros meses passaram tão rápido e lá já estava o pequeno Joãozinho, cercado de todos os cuidados, aprendendo a sentar sozinho. Era um dando palpite aqui, outro dando outro palpite ali, e no final das contas, Joãozinho acabava invariavelmente no colo de alguma avó.

– Coitado do menino! Ele é muito pequeno pra sentar sozinho.

E lá estava novamente o pequeno Joãozinho, cercado de todos os mimos e cuidados para que nada pudesse machucá-lo, que aos cinco meses, já pesava quase sete quilos.

Quando o Joãozinho deu seus primeiro passos foi uma festa só. Era foto pra lá, foto pra cá, e filma aqui, filma ali, e todos lá, o seguindo de perto, de braços abertos para que se no caso do pequeno Joãozinho se desequilibrasse, recebesse de alguém, o amparo imediato.

As primeiras palavras soavam a todos como um hino, e todos em uníssono pediam para que ele repetisse aquelas palavras ditas em forma de dialeto totalmente incompreensível, mas que para todos, soava feito música pura.

Aquela altura, o pequeno Joãozinho, sabedor de todos os mimos que recebera até então, já começava dar sinais de todo o seu poder, que jamais foi contestado por qualquer pessoa que fosse. Joãozinho podia pedir o que quisesse que era atendido de pron-to. Vez ou outro o pai retrucava:

– Assim, Joãozinho é feio!

Joãozinho abria um berreiro ensurdecedor, que parecia que estava sofrendo alguma agressão. Ele chorava um choro sentido! Sabia que viria a recompensa de colinho aconchegante, de alguém que intercederia por ele, contra aquela insensatez falada por seu pai.

É claro que não fazia por mal, aliás, amor é sempre bom de se dar e receber, mas, acontece que o pequeno Joãozinho, já havia adquirido certos hábitos, e esperto como toda criança o é, tratava de usá-los sempre que alguém não fizesse aquilo que ela desejava.

A família sempre colocava panos quentes em qualquer situação, pois Joãozinho era apenas um pequeno bebê prestes a completar um ano, precisava de muito carinho e proteção.

Mas, o quê se viu daí em diante, foi o nascimento de uma criança que cresceu sem limites e que tinha a certeza de que podia fazer todas as suas vontades que sempre haveria alguém para lhe passar a mão na cabeça e contornar a situação.

 


Oração da Infância

maio 24, 2019

Creio nos contos de fadas

Nas histórias infantis

Até em bruxa malvada

Andando sobre patins

 

Creio em belas princesas

E nos príncipes valentes

Em todas as malvadezas

Dos bruxos decadentes

 

Creio nas fadas madrinhas

Na realização dos desejos

Nos mágicos sem varinhas

Na ressurreição pelo beijo

 

Creio nos seres inanimados

Em lendas e em feitiçarias

Nos gênios engarrafados

Na bravura das cavalarias

 

Creio em boneca falante

Na luta contra os vilões

Na espada sagrada cortante

Das histórias de dragões

 

Creio na força do imaginário

Que faz bem para infância

O livro como um relicário

Dos segredos de toda criança


Quando não se tem o quê comemorar

maio 11, 2018

Azeitona deve ter um pouco mais de oito anos, está sempre circulando pela porta do supermercado atrás de arranjar um trocadinho ajudando senhoras a levar e guardar suas compras em seus carros. Volta e meia o gerente do mercado coloca o neguinho pra correr por achar que ele perturba demais os clientes, mas Azeitona sempre volta. Volta porque não tem para aonde ir, ele vive e dorme nas redondezas daquele mercado.

Azeitona não sabe ler, nunca frequentou a escola, mas é muito esperto, aprendeu a contar sozinho, lei da sobrevivência, precisa saber quanto de dinheiro fatura, para saber o quanto pode gastar para comer. Azeitona é um menino bom, embora olhos preconceituosos sempre o olham torto quando ele se aproxima para oferecer a sua ajuda. Não reclama quando não consegue, aprendeu que na vida sempre recebe mais não do quê sim.

Azeitona também aprendeu logo cedo a não se misturar com os outros meninos de rua, sabe que eles nunca serão seus amigos, sofreu desde cedo a dor do assédio de outros meninos no orfanato em foi deixado ainda bebê e de onde fugiu por não aguentar mais tanto sofrimento. Na rua também sofre, de fome, de frio, de solidão, mas ele acha que assim é melhor. Não sabe que não é. Ele acha que, só por eu sempre aparece uma alma para lhe dar alguma coisa, tudo sempre fica bem.

Azeitona tem um sorriso largo, contagiante, que sai daquela boca grande, de dentes amarelados, alguns não sabem de onde vem tamanha felicidade de quem não tem nada, nem ninguém. Azeitona é apenas um menino que ainda não perdeu a inocência de criança, que se distrai olhando as figuras coloridas dos folhetos do supermercado e que brinca de carrinho com uma garrafa pet, puxada por um barbante pelo estacionamento. Azeitona ainda sabe pouco da vida.

Azeitona só fica triste mesmo, é em datas comemorativas, às vezes, nesses dias, ele até não aparece pelo supermercado, mesmo sabendo que podia faturar um bom dinheirinho. Azeitona ainda chora em noites escuras e em dias felizes, pois sabe que não ganhará presentes, não ganhará abraços, não ganhará nada. Mas, o quê mais Azeitona sente falta, é de não ter mãe, aliás, de nem saber se ela morreu, ou se ela apenas não quis ficar com ele. Azeitona às vezes até pede para poder chamar algumas senhoras de mãe.

Azeitona só não gosta mesmo, é do Dia das Mães, nesse dia ele se transforma, o menino alegre e risonho, dá passagem ao menino que inveja às crianças que abraçam felizes as suas mães, que lhes dão presentes… Chega até a odiar as senhoras que ele chama de mãe no supermercado, só por elas terem seus próprios filhos. Azeitona sofre. Somente essa dor é maior que a dor dos assédios sofrido no orfanato. Azeitona não sabe como aguenta tanta dor dentro o peito, só aprendeu que depois que o outro dia chega, tudo passa, todo ano é assim e ele sabe que nunca terá o quê comemorar.


A importância do lúdico

setembro 30, 2016

Ultimamente temos levado uma vida encharcada de realismo e de realidade, onde o quê mais importa é o concreto, tanto o cinzento que nos rodeia, como aquilo que nos é palpável e visível. Queremos sempre a lógica das coisas, o racional, aquilo que nos faz sentido e não nos cause ilusões, com isso, nos tornamos pessoas carrancudas, incapazes de admitir a possibilidade que a vida é muito mais mágica do que lógica.

Enchemos nossas horas de compromissos e, o pior, temos feito o mesmo com nossas crianças, que, em muitos casos, precisam até de uma agenda para anotar os intermináveis cursos que são obrigadas a fazer, durante os intervalos de suas aulas escolares. Fechamos o cerco de tal forma que não sobra espaço algum para aquilo que não seja compromisso. Estamos, involuntariamente, roubando o lúdico de nossas crianças.

É certo que a vida é muito mais que uma ilusão, que um sonho inatingível, que ela nos cobra responsabilidades, mas, talvez seja a falta do lúdico que esteja nos impedindo de enfrentar certas situações que somos confrontados no nosso dia a dia. Tudo tem quer ser levado a sério e precisa ser assim, pois a vida não é uma brincadeira de criança. Mas, como ficam as brincadeiras de crianças se não deixamos que elas a brinquem em seus cotidianos?

Não se consegue viver uma vida saudável se nos recusarmos a abrir espaços para aquilo que não seja sério. A vida já é feito de muita dor e tristeza para nos privarmos de alguns momentos mágicos e lúdicos que possam suavizar a nossa jornada. A melhor receita para encarar a dura realidade é afastar-se dela por alguns segundos. Quando o copo está muito cheio de problemas, com certeza ele transbordará.

Agora, se é por demais saudável, alguns minutos lúdicos na vida de qualquer adulto, imaginem para a vida de uma criança, que enxerga na brincadeira, na mágica, no lúdico, as coisas mais interessantes de sua vida? Estimular a imaginação da criança deve ser prioridade, e não entupir a agenda do dia com compromissos que nem nós somos capazes de dar conta. A criança precisa aprender a mágica para lidar com a lógica.

E o adulto, não precisa ter vergonha de desfrutar do lúdico, de encontrar em cada dia onde a lógica cega, não deixando ver qual a melhor decisão a tomar, um instante de mágica para encarar os seus desafios, pois a vida pode se tornar ainda mais difícil, cansativa, desestimulante, desinteressante, se nós tivermos que usar sempre nossa energia para lidar com a realidade através da lógica. O lúdico é sim importante, pois não nos deixa esquecer que a vida é feita de mágica.


A Família abandonou a Educação

outubro 5, 2013

Muito tem se discutido sobre os rumos da educação escolar, apontam vários fatores que poderiam responder como possíveis responsáveis pelo fracasso do ensino regular, mas talvez um ponto muito importante dentro dessa engrenagem esteja sendo por demais, desconsiderado: A Família. A impressão que fica é que a Família abandonou a Educação.

E quando falo da Educação, não estou falando daquela ensinada nas escolas, mas sim daquela que deve ser ensinada em casa, pelos pais ou responsáveis pela criação da criança, daquela que procura passar os valores de ética e cidadania, daquela que prepara a criança para a vida adulta, daquela que molda o caráter da criança, pois é justamente essa que vejo sendo relegada.                    

Parece-me que os pais ou responsáveis tem se omitido muito de suas respon-sabiidades e as transferindo para a Escola, deixando a cargo dos professores, funções e tarefas que deveriam ser executadas exclusivamente por eles e o que vemos, são crianças que não cumprem regras, sem limites, desrespeitosas e com uma visão distorcida de valores básicos do que seja ética e cidadania.

O conceito básico de educação é ensinar, instruir, orientar, mas o que tenho notado é que esse conceito tem se mostrado distorcido, pois muitos pais têm demonstrado um comportamento permissivo, de super proteção e muito condescendentes para com as atitudes de seus filhos que, ao invés de contribuir para formação de uma criança sabedora de suas obrigações, tem gerado crianças com fortes desvios de comportamento.

É certo que muitos ainda continuarão se eximindo de suas responsabilidades e continuarão a transferi-las, principalmente às Escolas e aos professores, outros até darão a desculpa de que trabalham demais e precisam suprir as suas ausências com atitudes permissivas e com excesso de proteção, mas enquanto a Família não reconhecer as suas obrigações na criação das crianças, o que veremos é uma escola cada vez mais decadente.

Não adianta nada reclamar dos problemas nas escolas, das ineficiências dos professores, da qualidade do ensino, disso e daquilo, se dentro de casa, a educação de uma criança não se mostrar primordial para a Família, pois, pior do que qualquer excesso na intenção de educar é a omissão da responsabilidade que é criar um filho. Educação não é apenas ensinar uma criança a ler e escrever, é formar um cidadão e, parte disso, é responsabilidade da Família.


A noite do Lobisomem

julho 20, 2013

Essa história eu não vou esquecer nunca, só de me lembrar já fico toda arrepiada. Tudo começou assim: A mãe do Paulinho convidou todo mundo para ir na festa junina que ela ia fazer lá na casa dela, a mãe dele até conversou com a minha mãe pra deixar eu ir com a mãe da Joana. Minha mãe não queria deixar, mas eu insisti tanto, que ela acabou deixando. Mas eu devia ter ouvido a minha mãe e ficado em casa, isso sim!

Chegamos na casa do Paulinho e tava a maior bagunça, os tios, as tias, os amigos da mãe do Paulinho, todo mundo vestido com roupa de caipira. Pensei comigo: – Que mico! A Joana até queria que a gente viesse vestida de caipira, mas eu logo tirei isso da cabeça dela.

Tinha tanta comida, que parecia que a mãe do Paulinho tinha convidado a cidade toda. Era milho, paçoca, pinhão, amendoim, bolo de fubá, tinha até caldo verde. Os adultos tomavam quentão e vinho quente e dançavam quadrilha que nem a gente na escola.

Na frente da casa do Paulinho tinha uma fogueira enorme, onde o tio dele assava batata doce numa panela velha. Eu, o Paulinho e a Joana ficamos brincando na rua de estalinho e de pega pega. Uma coisa que eu também não esqueço, é tava um frio de congelar!

No meio na noite, os tios  e  as  tias do Paulinho, começaram a contar uma história sobre um lobisomem que todo ano vinha participar da festa. Pensei comigo: – Só pode ser um dos tios do Paulinho que se fantasia de Lobisomem para assustar a gente. Eu não dei bola praquela história e chamei o Paulinho e a Joana pra soltar estalinho lá fora, mas que nada, o Paulinho queria era saber das histórias do Lobisomem.

Aquela conversa já tava ficando muito chato e como nem a Joana e nem o Paulinho queriam sair dali, fui sozinha lá pra rua, sentei na calçada e fiquei olhando a Lua. Era uma Lua cheia, tão grande, que parecia uma bola de tão redonda. De repente comecei a escutar um cachorro chorando, olhava pros lados, mas não tinha nada e cada vez aumentava mais e eu fui ficando com medo.

– Meu Deus, e agora? Será que essa história de Lobisomem é verdade mesmo?

Levantei da calçada e corri para entrar na casa do Paulinho, só que quando eu saí, bati o portão de raiva e ele acabou trancando. Toquei a campainha, bati palmas, mas ninguém me ouvia. Meu medo foi aumentando, aumentando, que comecei a gritar. Foi aí que apareceu um homem e abriu o portão pra mim. Eu nem olhei, saí em disparada pra dentro da casa.

Fui logo pedi pra mãe da Joana que eu queria ir embora, mas como estava todo mundo se divertindo com as histórias do Lobisomem, ninguém me deu bola. Sentei numa cadeira e fiquei sozinha.

Então, o homem que abriu a porta pra mim se sentou do meu lado e começou a conversar comigo.

– Que foi? Você está triste por quê?

– Eu só tô com sono!

– Você não gosta de histórias de Lobisomem?

– Não sei! Não! Sim! Eu só quero embora!

– Não dá bola pra isso não!  São só histórias! Vai brincar com as crianças lá fora, disse ele.

Como vi que não tinha jeito da mãe da Joana querer ir embora mesmo, fui brincar com uns amigos do Paulinho na frente da casa. Não demorou muito e a Joana e o Paulinho apareceram pra brincar também.

– Puxa vida! Ainda bem que vocês vieram!

– A gente tava escutando as histórias do Lobisomem!

– Não quero saber!

– Que foi, Helena, tá com medo? Disse a Joana.

– Que medo o quê! É que tô achando a festa chata.

– É por causa do Lobisomem! É sim! Disse o Paulinho já querendo me botar medo.

– Que Lobisomem o quê? Lobisomem não existe! É tudo história pra enganar criança boba que nem vocês?

De repente ouvi um choro de cachorro bem forte no meu ouvido! Era mas ou menos assim: – Auuuuuu! Auuuuuu!

Fiquei parada como uma estátua. O Paulinho, a Joana e as outras crianças, saíram todas correndo de medo! Eu ainda vi uma mão peluda no meu ombro e depois não me lembro de mais nada, quando acordei estava deitada no sofá da sala do Paulinho sendo olhada para todo mundo.

Nunca mais me esqueci daquela mão peluda de Lobisomem no meu ombro e daquele: – Auuuuuu!… no meu ouvido. Só de lembrar, fico toda arrepiada!

E quem duvida que Lobisomem existe é porque nunca foi numa festa junina na casa do Paulinho!  


E a criança, como fica nesta história?

maio 27, 2011

Hoje não está nada fácil escrever um texto infantil, se já não bastasse toda a complexidade que é contar uma história para os pequenos, um outro problema vem contribuindo para essa dificuldade, a questão do politicamente correto. Mas, qual o politicamente correto? O meu, o seu, ou o da criança? Será que a criança não direito de enfrentar as situações adversas? Alguém perguntou para criança o que ela acha tudo isso?

Esse zelo exacerbado que chega às raias da neurose, está tornando o ofício de escrever histórias para crianças algo quase mecânico, pois nada pode. A inocência da criança que brinca com as situações que ela vivencia, está sendo fortemente vigiada. E, se já não bastasse toda a violência urbana que acabou empurrando as crianças para dentro das casas, querem decidir o que a criança pode ou não pode assistir.

A onda do “bom-mocismo” que tomou conta do país acabou extrapolando e tornando situações que outrora eram naturais, quase proibitivas. O que seria de Maurício de Souza se tivesse criado nos dias de hoje, “A Turma da Mônica”? Chamar um menino de “Cebolinha”, um outro de “Cascão” e uma menina de “Gorducha” e “Dentuça”, lhe decretaria o fracasso, jamais se tornaria o sucesso que é nos dias de hoje. Como tudo na vida, o excesso de preocupação, acabou criando um monstro, e querem que fechemos as crianças em redomas de vidros, distantes de todo e qualquer mal.

Será que tal atitude está fazendo bem para as crianças? Como elas poderão discernir o que é certo ou errado? E como elas vão saber se isso ou aquilo é certo ou não, se estão limitadas a aceitar apenas o que lhes é imposto como politicamente correto diante dos olhos de alguns? A sociedade está escrevendo um texto infantil com uma lição de moral no final. Algo muito ruim para criação do cidadão de amanhã.

Quando penso em escrever algum texto, contar alguma história infantil, sinto até um frio na espinha, pois sei que certamente enfrentarei muitos problemas, porque pra mim, criança é criança e tem de ser respeitada como um consumi-dor da minha literatura e do meu teatro e sempre falarei para ela, olhando nos olhos dela, e usando a sua linguagem. A única coisa que faço questão é de que a criança tenha a sua impressão sobre o que escrevi. Ela que vai dizer o que é certo ou errado, e não eu! Eu apenas lhe mostrei as situações.

Preocupações com a violência, com a educação, com as drogas e com tudo mais que cerca o universo infantil nos dias de hoje, eu também tenho, pois sou pai. Mas não posso querer esconder das minhas filhas, algo que a vida por certo lhes mostrará. E pintar o mundo de cor-de-rosa, querendo que só o bem faça parte, é utopia. A vida é feita do bem e do mal.

Por que será que os vilões fazem tanto sucesso? Porque os vilões é que tornam os heróis, exemplos para criançada. Impedir, esconder, disfarçar todo mal que há no mundo, não vai livrar a criança dos problemas. O melhor é deixar que os autores, usem a sua criatividade, abusem do lúdico e falem a língua da criança, colocando no papel, as situações comuns às crianças. Ou será que as crianças de hoje não tem mais apelidos?


A importância do texto infantil

outubro 18, 2009

Muito mais do que conter e contar fábulas, um texto infantil para teatro, tem uma função ainda pouco explorada, ou pelo menos, não se vê muita divulgação de sua utilização para esse fim: o de servir como um forte instrumento de apoio pedagógico, auxiliando na educação da criança.

Enfatizar apenas o lado lúdico que o teatro, com toda sua magia, é capaz de passar, é muito pouco para um texto infantil de teatro. Ele pode ser muito melhor explorado, do que ser apenas uma parte de um espetáculo infantil oferecido à criança como passeios em datas festivas.

Utilizar o texto infantil de teatro na sala de aula, servindo-se de suas histórias para trabalhar de maneira mais lúdica, assuntos por vezes difíceis de lidar, até mesmo pela complexidade do tema, a princípio pode parecer que não, mas é sim, um diferencial para a educação infantil.

A pedagogia precisa se ater a esse detalhe, pois o teatro como arte pura e o seu texto infantil utilizados como instrumentos multiplicadores de idéias e, acima de tudo, como facilitadores para trabalhar ações e sentimentos, só tem a acrescentar na melhoria da educação, seja ela de forma informal, ou de forma didática.

Mais e mais fica claro, que não bastam apenas os métodos ortodoxos de educação para ensinar a criança dos dias de hoje, e cada vez mais é preciso se buscar um diferencial para estimular a criança á aprender. E a utilização do texto infantil de um espetáculo teatral caminha neste sentido.

É claro que não é sempre que se pode se utilizar de textos infantis, mesmo porque, ainda são raros, ou de pouco conhecimento, textos que possam servir de fato, como apoio pedagógico. E também, não se deve incorrer no mesmo erro de outrora, forçando a criança a ler vários textos infantis, assim como se fez, e se faz com a literatura, pois assim, corre-se o risco de se obter o efeito contrário.

O texto infantil se faz importante quando ele é usado na medida certa entre o que é lúdico e o que é didático, servindo de estimulo, instigando a investigação, apoiando a pedagogia no dia-a-dia e trazendo para sala de aula, a magia existente no teatro de uma forma natural, para que todos possam usufruir de cada pedacinho da história.