OS TIGRES DE BENGALAS
Texto Adulto de: Paulo Sacaldassy
PERSONAGENS
Juvenal
Maneco
Zeca
CENÁRIO: ENFERMARIA DE UM HOSPITAL.
AO ABRIR AS CORTINAS, VEMOS AO FUNDO DO PALCO, TRÊS CAMAS, UMA ESTÁ VAZIA E AS OUTRAS DUAS TÊM UM SENHOR EM CADA UMA. RESPIRAM COM AJUDA DE APARELHOS. UM SENHOR, USANDO UM PIJAMA, ENTRA EM CENA. CAMINHA COM A AJUDA DE UMA BENGALA E VAI ATÉ O PROSCÊNIO.
Juvenal – Não sei o porquê minha filha não vem me visitar, nem meus netos, até aqueles meus amigos que diziam serem meus amigos, não apareceram um só dia para me visitar! Desde que me internaram aqui neste hospital, na vejo ninguém. Mas, deixa estar, quando eu sair daqui, vou acertar as contas com aqueles traidores. Eles vão ver só! (TEM UM CATETER NASAL. RESPIRA COM DIFICULDADE. CAMINHA PELO PROSCÊNIO) Eu já estou cansado de ficar aqui neste hospital, se ainda a comida fosse boa… A verdade que não vejo a hora de voltar para casa, poder passar as minhas noites dançando… Aliás, eu nem sei bem o porquê ainda estou aqui, estou me sentindo tão bem. (TENTA EXERCITAR OS BRAÇOS E TEM UM ACESSO DE TOSSE) Amanhã mesmo vou pedir para o médico me deixar ir para casa.
VAGAROSAMENTE O SENHOR SE DEITA NA CAMA VAZIA. OUVE-SE UM GRITO DE DOR. O APARELHO DE UMA DAS CAMAS COMEÇA APITAR SEM PARAR. BLACK OUT. SILÊNCIO. UMA DAS CAMAS ESTÁ VAZIA. LUZ GERAL. OUTRO SENHOR, USANDO PIJAMAS, ENTRA EM CENA, TAMBÉM COM A AJUDA DE UMA BENGALA E VAI ATÉ O PROSCÊNIO.
Maneco – Já não me lembro mais quanto tempo que estou aqui neste hospital, aliás, na verdade, não sei bem porque cheguei aqui! O estranho é que minha mulher não veio me visitar nenhum dia. Ninguém veio me ver, nem meus filhos, nem meus netos, nem mesmo os meus amigos que sempre tiveram ao meu lado, vieram me fazer uma visita. (ELE TAMBÉM TEM UM CATETER NASAL. ANDA VAGAROSAMENTE. PARA) Quando foi que eu comecei a usar essa bengala? Pelo menos quando minha mulher me trouxe pro hospital e não precisava disso. (MEXE NAS PERNAS) Que dia eu comecei a usar isso aqui? (RESPIRA COM DIFICULDADE) E essa canseira que não passa! (PUXA O AR E NÃO CONSEGUE. TOSSE) Será que ainda vou ficar muito tempo neste hospital? Estou com tanta saudade da minha mulher, dos meus filhos, dos meus amigos! Se eu me lembro bem, o médico me disse que logo, logo eu voltaria pra casa. Esse logo, logo não chega nunca!
ELE CAMINHA ATÉ A CAMA VAZIA E SE DEITA. OUVE-SE UM GRITO DE DOR. O APARELHO DE UMA DAS CAMAS COMEÇA APITAR SEM PARAR. BLACK OUT. SILÊNCIO. LUZ GERAL. OUTRO SENHOR, TAMBÉM USANDO PIJAMAS E PORTANDO UMA BENGALA. ENTRA EM CENA E VAI ATÉ O PROSCÊNIO.
Zeca – Meu Deus! Eu nunca me senti assim tão sozinho na minha vida, desde que entrei neste hospital não sei notícia de ninguém! Até os meus amigos de todo dia não vieram me ver. Não sei nem há quantos dias estou aqui dentro! Minhas ideias andam meio embaralhadas. Que dia será hoje? Será que é noite ou será que é dia? E essa sensação de não ter ar que não passa? (ELE TAMBÉM TEM UM CATETER NASAL. TENTA PUXAR O AR E NÃO CONSEGUE). Essa dor no peito… Ô, meu Deus, não quero morrer ainda não, viu? Tenho muita vida pra viver! Quando eu comecei usar essa bengala que não me lembro? Deve ser porque eu não aguento mais ficar de pé!
CAMINHA, VAGAROSAMENTE, COM A AJUDA DA BENGALA E SE DEITA NA CAMA VAZIA. OS APARELHOS VOLTAM A APITAR DESCONTROLADAMENTE, OUVEM-SE VOZES ENTRELAÇADAS. OS APARELHOS PARAM. SILÉNCIO. BLACK OUT. LUZ GERAL. UM SENHOR ENTRA EM CENA, TRAJANDO UM PIJAMA, TEM OS PÉS DESCALÇOS, SE APOIA EM UMA BENGALA. DO OUTRO LADO, ENTRA UM OUTRO SENHOR, TAMBÉM TRAJANDO UM PIJAMA, TEM OS PÉS DE DESCALÇOS. CAMINHA VAGAROSAMENTE.
Juvenal – Maneco!
Maneco – Juvenal!
OS DOIS SE ABRAÇAM. ELES SE SEPARAM.
Juvenal – Por onde tu andava, meu amigo?
Maneco – Estive internado! Muito mal! E você?
Juvenal – Eu também!
Maneco – Foi o vírus também?
Juvenal – E não foi? Fiquei um trapo!
Maneco – E eu?
Juvenal – O pior é o medo de não ver mais ninguém!
Maneco – Nunca sentia tanta saudade da minha mulher, dos meus filhos, dos meus netos… Até de vocês eu senti saudade!
Juvenal – Vocês também me fizeram muita falta!
OS DOIS SE ABRAÇAM NOVAMENTE. SE SEPARAM.
Juvenal – Gosto muito de você, meu amigo!
Maneco – Você sempre foi meu irmão!
Juvenal – E a quanto tempo, hein?
Maneco – Desde quando você namorava a minha mulher.
Juvenal – Mas eu nunca tive chance. Vocês sempre foram apaixonados demais! Nunca teria chance. Preferi preservar a nossa amizade.
Maneco – E você sempre foi um bom amigo!
Juvenal – Só que pensei muitas vezes roubar ela te ti, viu?
Maneco – Devia ter tentado! Aquela virou uma peste!
Juvenal – Deixa de ser rabugento, Maneco!
Maneco – É que você não conviveu toda uma vida com ela!
Juvenal – Deixa de ser ingrato, Maneco!
Maneco – Ingrato, eu?
Juvenal – Ela sempre te amou. E você também sempre foi louco por ela! Agora fica aí reclamando! Queria ver se você não tivesse mais ela pra você encher o saco? Você ia ficar mais doente que sempre foi.
Maneco – É que a Lourdes morreu cedo, senão você não estaria falando diferente de mim.
Juvenal – Você é louco por ela! Queria eu que a Lourdes tivesse comigo até hoje.
Maneco – Duvido! Mulher do nosso lado a vida toda parece castigo.
Juvenal – De repente ela se deu conta disso e por isso não veio mais te ver.
Maneco – Você acha?
Juvenal – Ah, se a Lourdes tivesse viva!
Maneco – Mas você também vivia reclamando dela!
Juvenal – Implicância boba minha!
Maneco – Vivia dizendo que era um inferno viver com ela.
Juvenal – Tudo mentira! Na verdade eu fui muito feliz com a Lourdes, viu?
Maneco – Não parecia! Do jeito que reclamava dela!
Juvenal – Ela sempre foi meu par perfeito. Dançar com ela, era dançar sobre as nuvens. E olha que eu era bom nisso, hein! Agora minhas pernas não deixam mais, mas quando eu pegava na cintura dela, a gente deslizava pelos salões. Pena que ela já se foi! Senti tanta saudade dela nesses dias, que até sonhei que ela vinha me buscar.
Maneco – Força, meu amigo! Nós estamos juntos!
Juvenal – E você devia dar mais valor para Maria e deixar de ser um velho rabugento e reclamam.
Maneco – Mas ela é uma ingrata! Sabe por que Juvenal? Ela não veio me visitar um só dia, e até agora ainda não veio me ver.
Juvenal – Ela vai vir, Maneco! Agradece a Deus que ela está contigo!
Maneco – Outro que também é um ingrato, é o Zeca!
Juvenal – Você não ficou sabendo?
Maneco – Não. O quê aconteceu? Não vai dizer que meu amigo…
Juvenal – Ele foi internado um dia antes de mim, tava muito mal que foi direto para UTI, também estou muito preocupado com ele.
Maneco – Eu não sabia! Eu já estava internado.
Juvenal – Eu não tinha como te avisar!
Maneco – Eu me lembro que fui internado. Não sei bem que dia. Foi tudo tão de repente.
Juvenal – Eu ia visitar ele no dia seguinte, só que na madrugada minha filha me levou para o hospital e não vi mais ninguém.
ENTRA UM SENHOR, TRAJANDO UM PIJAMA, TAMBÉM TEM OS PÉS NO CHÃO. CAMINHA COM A AJUDA DE UMA BENGALA.
Zeca – Quem quer jogar porrinha ai?
OS TRÊS APONTAM AS MÃOS FECHADAS
Juvenal – Eu quero quatro!
Marreco – Eu quero sete!
Zeca – É três!
OS TRÊS ABREM AS MÃOS VAZIAS.
Zeca – Deu lona!
OS TRÊS SE ABRAÇAM.
Zeca – Estava com tanta saudade de vocês, meus amigos! Nunca me senti tão sozinho!
Maneco – Olha quem diz que está com saudade! O velho babão que anda cheio de menininhas!
Juvenal – Você não perde a oportunidade, hein, Maneco?
Zeca – Aquelas meninas todas não são nada perto dos meus amigos! Depois que fiquei no hospital é que percebi como vocês me fazem falta.
Maneco – Desculpa, Zeca! A gente também tava com saudade de você, amigo!
Juvenal – Também está de bengala, Zeca?
Zeca – Ganhei isso no hospital!
Juvenal – Também ganhei a minha no hospital!
Zeca – E cadê a sua, Maneco?
Maneco – Joguei pela janela!
Zeca – Esse é meu amigo, Maneco, rabugento como sempre!
TODOS RIEM.
Zeca – Por onde vocês andavam que não foram me visitar um só dia!
Juvenal – A gente estava internado também
Zeca – Os dois?
Maneco – Esse vírus nos derrubou!
Zeca – Eu sabia que você tinha internado, mas quando eu ia te visitar, fiquei tão mal que acabei sendo internado no dia seguinte que a Maria.
Juvenal – Que Maria?
Maneco – Você está falando da minha Maria?
Zeca – Não te contaram?
Maneco – Contaram o quê?
Juvenal – O quê aconteceu, Zeca?
Zeca – A Maria estava internada também.
Maneco – E cadê ela? Ninguém me falou nada.
Zeca – Você estava internado muito mal. Depois eu me internei também muito mal.
Juvenal – E a Maria?
Zeca – Eu vi a Maria! Não sei. Será que não era ela? Ando muito confuso.
Maneco – A Maria está aqui? Cadê? Maria! Me leva pra casa, Maria! Eu estou com saudade de brigar contigo! Maria, eu te amo, Maria!
MANECO ANDA COM DIFICULDADES PELA CENA. RESPIRA COMO QUEM BUSCA O AR. CAMINHA ATÉ SE DEITAR EM UMA DAS CAMAS VAZIAS. O APARELHO DA CAMA DE MANECO VOLTA A APITAR.
Juvenal – Onde foi o Maneco?
Zeca – Foi atrás da Maria! Eles se amam de verdade! E você que era louco por ela, hein? Essa você perdeu!
Juvenal – É, meu amigo, essa eu perdi de lavada!
Zeca – Mas você teve a Lourdes, e eu?
Juvenal – E você, Zeca?
Zeca – É Juvenal, e eu?
Juvenal – Você aproveitou a vida, Zeca! Não tem do que reclamar! Sempre foi um bom vivant! Carros e garotas novas toda hora! E você vem me dizer: e eu? Queria eu ter levado a vida que você levou!
Zeca – Mas agora estou aqui, abandonado em uma cama de hospital e ninguém veio me ver! Você não, você teve a Lourdes, teve filho, netos, formou uma família, você nunca vai estar sozinho!
Juvenal – Então, mas eu também estou! Ou vou se acha que vieram me ver? Vieram nada! Filha e netos são todos ingratos, isso sim! A gente fica velho, ninguém mais quer saber da gente.
Zeca – É claro que não me arrependo de tudo que fiz, foi a vida eu eu escolhi! Só que podia ter juntado meus trapinhos com alguém, pelo menos nessa hora, eu teria alguém para encontrar.
Juvenal – Mas teus amigos estão aqui contigo! Me dá um abraço!
OS DOIS SE ABRAÇAM. ELES SE APARTAM.
Juvenal – Se lembra do acordo que fizemos, lá no colégio?
Zeca – Que acordo?
Juvenal – Amigos pra toda vida! E para depois dessa vida também!
Zeca – E a gente combinou que quem morresse primeiro vim buscar o outro! Lembra disso?
Juvenal – Claro! Isso já faz mais de sessenta anos, hein?
Zeca – Será que o Maneco esqueceu?
Juvenal – Quando ele voltar a gente pergunta pra ele.
Zeca – Será que ele volta?
Juvenal – Tenho certeza!
Zeca – E se ele resolver ficar com a Maria?
Juvenal – Ele ficou a vida toda com a Maria, mas sempre esteve ao nosso lado. Maneco é parceiro.
Zeca – Ainda bem que encontrei vocês, estava me sentindo solitário neste hospital!
Juvenal – Pra falar a verdade, eu também. Até porque a ingrata da minha filha e dos meus netos não deram as caras por aqui.
Zeca – Mas, sabe, Juvenal, hoje eu queria ter alguém pra encontrar!
Juvenal – Ih, não estou te reconhecendo, Zeca!
Zeca – Nem eu, Juvenal! Parece que fiquei um velho melancólico!
Juvenal – Deve ser da doença. Eu também estou me sentindo abandonado. Foi bom encontrar com vocês. Vocês são meus amigos! Meus irmãos!
ZECA ABRAÇA JUVENAL E COMEÇA A CHORAR.
Zeca – Estou com medo de morrer sozinho!
Juvenal – Que morrer nada! A gente não está aqui?
ZECA SE SOLTA DE JUVENAL.
Zeca – Desculpa, Juvenal!
Juvenal – Que isso, Zeca, não precisa se desculpar de nada. Nós somos amigos, ou não somos? Estamos juntos pra sempre, lembra?
Zeca – É isso! Estamos juntos!
JUVENAL COMEÇA A TER DIFICULDADE PARA RESPIRAR. BUSCA O AR E NÃO CONSEGUE.
Juvenal – Zeca!
Zeca – Fala, Juvenal?
Juvenal – Está ficando tudo escuro!
Zeca – Respira!
Juvenal – Não consigo.
Zeca – Devagar!
Juvenal – Preciso ir, Zeca! Não consigo respirar! A Lourdes! A Lourdes vem me ver! Eu sonhei com ela ontem! Preciso voltar!
Zeca – Estou aqui contigo!
Juvenal – Zeca! Zeca! Cadê você?
Zeca – Estou aqui, meu amigo!
Juvenal – Maneco! Maneco! Cadê você?
JUVENAL ANDA COM DIFICULDADES PELA CENA. RESPIRA COMO QUEM BUSCA O AR. CAMINHA ATÉ SE DEITAR EM UMA DAS CAMAS VAZIAS. O APARELHO DA CAMA DE JUVENAL VOLTA A APITAR.
Zeca – Juvenal! Cadê você, Juvenal? Você disse que ia ficar comigo e sumiu! Fez igual o Maneco que foi atrás da Maria e não voltou até agora! Eu não quero ficar sozinho. Estou sentindo muito medo disso tudo! Nós fizemos um acordo, você falou dele. Eu, você e o Maneco! Amigos para sempre e até mais! Agora os dois me deixaram aqui sozinho neste hospital. Cadê vocês!
BLACK OUT.
LUZ GERAL. MANECO ENTRA POR UM LADO E ENCONTRA ZECA CAÍDO NO CHÃO.
Maneco – O que aconteceu, Zeca? Zeca?
ZECA DESPERTA E É LEVANTADO COM A AJUDA DE MANECO.
Maneco – Você está bem?
Zeca – Eu estava aqui conversando com o Juvenal…
Maneco – E pra onde foi o Juvenal?
Zeca – Não lembro. Quem é você?
Maneco – Como que sou eu? O Maneco!
Zeca – Maneco! Que bom que você veio!
ZECA ABRAÇA MANECO COM TODA FORÇA.
Zeca – Estava com saudades de você, meu amigo! Ainda bem que você não esqueceu do nosso acordo?
MANECO SE SOLTA DE ZECA.
Maneco – Que acordo?
Zeca – Que fizemos no colégio!
Maneco – Aquela besteira de ser amigo pra sempre?
Zeca – E quem morresse primeiro vinha buscar o outro?
Maneco – Você passou a vida acreditando nessa besteira, Zeca?
Zeca – Nossa amizade foi besteira!
Maneco – Claro que não! Não somos amigos até hoje? Só não acredito naquela besteira que o Juvenal falou que quem morresse primeiro vinha buscar os outros. Isso sempre foi uma besteira.
Zeca – E seu morri e estou aqui pra te levar?
Maneco – Pare com essa besteira, Zeca.
Zeca – E se eu sou um fantasma que veio buscar o Juvenal e ele fugiu? Agora você está aqui. Posso te levar comigo!
Maneco – Você deve ter batido a cabeça quando caiu.
Zeca – Mas não pode ser verdade?
Maneco – Não! Por acaso você conhece alguém que abraça um fantasma?
Zeca – Não!
Maneco – Então você não é um fantasma!
Zeca – Porque você tem tanta certeza?
Maneco – A gente se abraçou, Zeca! E vamos mudar de conversa. Que história é essa que você disse que viu a Maria?
Zeca – Eu vi a Maria!
Maneco – Eu rodei esse hospital todinho e nem sinal da minha mulher! Que brincadeira mais sem graça, Zeca! Parece que ainda é aquele bom vivant de antigamente que gostava de passar trote em todo mundo!
Zeca – Mas eu vi a Maria! Eu falei com a Maria! Só se ela não te achou e foi embora.
Maneco – Eu duvido! Se a Maria tivesse vindo me ver, ela estaria aqui até agora.
Zeca – Então eu não sei, Maneco!
Maneco – E o Juvenal?
Zeca – Ele sumiu!, A gente estava aqui conversando, de repente ele começou a passar mal e foi sumindo, sumindo… foi ficando tudo escuro. Não sei aonde foi o Juvenal! Só lembro de quando você me acordou.
Zeca – De repente a Maria encontrou ele.
Maneco – Que conversa é essa agora, Zeca?
Zeca – Todo mundo sabe que o Juvenal sempre foi louco pela Maria.
Maneco – Mas ela me escolheu!
Zeca – E se ela desistiu de você. Seu velho rabugento!
MANECO ACERTA UM SOCO EM ZECA.
Zeca – Que violência, Maneco! Eu devia te dar uma bengalada!
Maneco – Você nunca mais fale isso da minha mulher!
Zeca – Você continua o mesmo esquentadinho de sempre!
Maneco – E você que me conhece há sessenta anos devia saber disso. Você parece que não cresceu, velho!
MANECO SE COLOCA DE COSTAS PARA ZECA. ZECA SENTE UMA FORTE FALTA DE AR.
Zeca – Maneco!
Maneco – Oras, não me enche, Zeca!
Zeca – Eu preciso de sua ajuda!
MANECO SAI DE CENA.
Zeca – Eu não estou conseguindo respirar! Socorro, meu amigo! Me ajuda! Maneco, me ajuda! Maneco! Maneco!
ZECA ANDA COM DIFICULDADES PELA CENA. RESPIRA COMO QUEM BUSCA O AR. CAMINHA ATÉ SE DEITAR EM UMA DAS CAMAS VAZIAS. O APARELHO DA CAMA DE ZECA VOLTA A APITAR. OS TRÊS ESTÃO NA CAMA. OS APARELHOS COMEÇAM A AUMENTAR A FRENQUÊNCIA DE APITOS. BLACK OUT. LUZ GERAL. MANECO ESTÁ EM UM DOS CANTOS, NO PROSCÊNIO, VESTE UM TERNO. ESTÁ DESCALÇO. FOCO EM MANECO.
Maneco – Maria, onde você está Maria que não vem me visitar? Eu sei que fiquei um velho ranzinza e rabugento e que passava os dias a implicar contigo, mas é meu jeito, você me conhece há mais de cinquenta anos! Você sabe que eu te amo de verdade. Eu estou sentindo a tua falta! É muito triste toda essa solidão aqui! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADES) Na verdade, não é só a solidão, estou com medo da morte. Morrer sem te ver e não poder te ver mais, acho que não vou suportar! Com quem vou implicar por mexer nas minhas coisas? Com quem vou reclamar da comida fria? Com quem vou reclamar por esconder os meus remédios? Com quem vou reclamar por ficar pegando no meu pé? Pra quem vou pedir perdão por tudo isso? Pra quem vou dizer que amei a vida inteira e nunca disse? (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADES) Eu te amo, Maria, vem me tirar daqui! Eu te imploro! Também estou com medo de morrer e não ver meus amigos Juvenal e Zeca, eles sempre foram os meus irmãos de verdade, eles se acostumaram com o meu jeito rabugento, minha mania de tomar remédios, com meu jeito de ser amigo deles. Eles foram grandes companheiros e conselheiros na minha vida. Eles vieram me ver, mas soube também que eles estão internados como eu e não vão poder vir aqui a toda hora. Juvenal sempre foi o melhor amigo, não esperava que ele continuasse sendo meu amigo depois que você me escolheu Maria. Nunca tocou uma só vez nesse assunto. Que saudade, meu amigo Juvenal! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADE) O Zeca, você conheceu o Zeca, sempre foi de levar a vida mais leve. Ele sabe viver a vida, aquele velhaco! Eu queria aproveitar a vida como ele, mas nunca tive a coragem de viver na corda bamba que ele sempre viveu. E o Zeca é alegre, divertido, sempre gosta de fazer piada com tudo! Ê, meu amigo, Zeca, de quantas coisas você fez a gente rir, não é mesmo? Que saudade, meu amigo Zeca!
FECHA O FOCO EM MANECO. ABRE O FOCO NO CENTRO DO PROSCÊNIO. ONDE SE ENCONTRA JUVENAL VESTIDO COM UM CONJUNTO DE AGASALHO ESPORTIVO, TAMBÉM ESTÁ DESCALÇO.
Juvenal – Sabe, Lourdes, sinto muito a tua falta, nossa filha tem cuidado bem de mim, mas é diferente. Você foi uma companheirona, sabia? Eu nunca te confessei, mas acho que você sempre soube, meu único amor foi a Maria, mas ela escolheu meu amigo Maneco, não podia passar a minha vida com alguém que não gostasse de mim. E você me amava, disso eu tenho certeza! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADES) E eu aprendi a gostar muito de você! Olha que acho que foi quase amor! Mas a gente foi feliz, não foi? Nunca tivemos uma briga sequer! Sofri tanto quando aquela doença maldita te levou! Sofro até hoje! Não foi justo contigo. Você sempre foi um boa esposa, uma boa mãe, cuidou da nossa família como ninguém mais cuidaria! Ai como eu queria te encontrar de novo! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADES) E, os meus amigos Maneco e Juvenal, hein? Você sempre foi gentil com eles, mesmo com o Maneco, apesar de tudo! E eles são meus amigos até hoje, sabia? Eles vieram me ver, mas soube que eles também estão internados como eu. Tomara que eles saiam dessa! Maneco, aquele velho ranzinza e rabugento, porque, Lourdes, ele ficou insuportável, sabia? Sempre foi um grande amigo! Mesmo quando a Maria escolheu ele, eu não quis deixar de ser amigo dele. Devia ter dado um soco naquela cara, mas ele não tinha culpa, o amor é quem escolhe, e o amor escolheu ele. Sempre foi um irmão, cuidou de tudo quando você teve que partir. Tenho medo de morrer e não ver mais o Maneco! Devo muito a ele! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADE) E o Zeca, esse sempre foi o ponto de equilibro da nossa amizade. Tinha sempre uma história engraçada pra contar sobre as inúmeras namoradas que ele teve na vida! Sempre esteve do nosso lado, toda vida! Ele levava aquela vida sem compromissos e estava certo, o Zeca não esquentava com nada, deixava o barco correr e sempre estava do nosso lado quando a gente não sabia o que fazer com a vida. Estou sentindo muita saudade do meu amigo Zeca!
FECHA O FOCO EM JUVENAL. ABRE O FOCO NO OUTRO CANTO DO PROSCÊNIO ONDE ESTÁ O ZECA QUE VESTE UMA CALÇA DE TERGAL E UMA CAMISA DE SEDA DE MANGAS LONGOS. ESTÁ DESCALÇO.
Zeca – É, parece que estou chegando no fim da vida! Mas não tenho que reclamar de nada, eu vive a vida que eu pude viver. Eu fui feliz! Curti cada momento da minha vida. E uma coisa eu posso falar com sabedoria: Eu nunca esquentei com nada e essa foi a minha melhor escolha. Eu sempre estive comigo e nunca deixei que ninguém me dissesse o que eu tinha que fazer, eu levei minha vida como sempre quis, mas só me arrependo de uma coisa, nunca ter encontrado o amor. Vive só de aventuras e hoje a solidão me assusta como nunca me assustou! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DIFICULDADE) Ainda bem que nessa vida encontrei dos amigos! Não, encontrei dois irmãos! Maneco e Juvenal sempre foram a minha família! Quando estava com eles a solidão não me assustava, e conseguimos ficar amigos até hoje. Mais de sessenta anos de amizade! O Maneco, um trabalhador responsável, um pai de família, um chato, às vezes até chato demais quando falava que eu tinha que parar de levar a vida sem responsabilidade. Era estressado como ele só, por isso que virou um velho rabugento e hipocondríaco! Mas era nele que eu pensava quando ia fazer alguma burrada na vida. Maneco é um irmão mais velho! Ele veio me ver, mas soube que também não está nada bem! Maneco, meu irmão, que saudade! (TENTA BUSCAR O AR. RESPIRA COM DICIFULDADE) Já o Juvenal tem minha admiração! Soube superar a escolhe da Maria pelo Maneco e continuou firme com a amizade. Juvenal, sempre foi mais descontraído que o Maneco. Foi um bom marido para Lourdes, que gostava dela, mais do que gostava dela. Juvenal, sempre foi um pé de valsa e encontrou na Lourdes seu par perfeito acho que por isso que eles foram felizes. Juvenal sempre estava comigo quando era para irritar o Maneco. Ele veio me visitar outro dia, mas soube que ele está doente. Tenho saudade, de você, Juvenal!
LUZ GERAL. OS TRÊS SE OLHAM.
Maneco – Juvenal!
Juvenal – Zeca!
Zeca – Maneco!
Maneco – Vocês também saíram do hospital?
Juvenal – Eu acho que a gente morreu!
Maneco – Para com essa conversa mole, Juvenal!
Zeca – Será, Juvenal!
Juvenal – Eu acho! Não estamos mais de camisola do hospital.
Maneco – Isso só mostra que já estamos fora daquele hospital!
Zeca – Cadê nossas bengalas?
Juvenal – Pra quê a gente ia precisar de bengala se a gente ta morto?
Maneco – Eu não to morto!
Zeca – Eu não conheço este lugar!
Juvenal – Eu também não!
MANECO ANDA PELA CENA. JÁ NÃO TEM MAIS DIFICULDADE DE ANDAR.
Zeca – Olha o silêncio deste lugar!
Juvenal – (RESPIRA FUNDO) Olha, já possa até respirar!
Maneco – Vocês deve estar malucos! Maria nem veio me buscar!
Juvenal – Nós cumprimos a nossa promessa!
Zeca – Morremos, mas estamos juntos!
Maneco – Eu não acredito! Eu não morri!
Juvenal – Amigas para além da vida, lembram?
JUVENAL ESTENDE, ZECA TAMBÉM ESTENDE A SUA.
Zeca – Vamos, Maneco, estende a tua também!
Os Três – Amigos pra toda a vida e além!
OS TRÊS SAEM DE CENAS, ABRAÇADOS. MANECO SAI RESMUNGANDO QUE NÃO ESTÁ MORTO.
FOCO NAS TRÊS CAMAS VAZIAS E ARRUMADAS.
A LUZ VAI CAINDO EM RESISTÊNCIA. FECHAM-SE AS CORTINAS.
– FIM –