Um Rei no rio

julho 19, 2019

PERSONAGENS

Peixe

Sapo/Rei

Tartaruga

CENÁRIO: FUNDO DE UM RIO POLUÍDO, COM PEDAÇOS DE PANOS E PLÁSTICOS PENDURADO, ALGUMAS PEDRAS E PLANTAS AQUÁTICAS. UM SAPO ENTRA EM CENA COMO SE TIVESSE SIDO JOGADO PARA DENTRO DO RIO.

Sapo              – Ei, alguém me ajude, por favor! Eu não sei nadar! Alguém me tira do fundo deste rio! Eu sou o Rei! Quem ousou jogar o Rei dentro do rio? (RESPIRA COM DIFICULDADES) Socorro!… Acho que vou morrer… (DESABA NO CHÃO).

ENTRA EM CENA UM PEIXE, TODO SUJO DE ÓLEO, COM RESTOS DE REDES E PANOS AMARRADOS NO CORPO. TOSSE. TROPEÇA NO SAPO

Peixe             – Eita que é um Sapo! Mas um Sapo no fundo do rio?! É, isso aqui tá mesmo indo de mal a pior! Aonde já se viu um Sapo no fundo de rio! Se num bastasse todo esse lixo e esgoto na nossa água, agora me aparece um Sapo bem aqui no fundo. (CUTUCANDO O SAPO) Ei, seu Sapo! O que você ta fazendo por aqui? Se ficar aqui no fundo vai acabar morrendo!

O SAPO ABRE O OLHO E FALA COM DIFICULDADE.

Sapo              – Me ajude, seu Peixe, por favor!

Peixe             – O que você está fazendo aqui?

Sapo              – Me jogaram aqui dentro! Eu não consigo respirar.

Peixe             – Quem jogou você aqui?

Sapo              – (FALANDO COM DIFICULDADE) Foi a bruxa!

Peixe             – Ih, o Sapo já ta até delirando! Deve ta faltando ar no cérebro da criatura! (AJUDANDO O SAPO A LEVANTAR)

Sapo            – (RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Eu não consigo respirar! Me ajude! Acho que vou… (E O SAPO DESABA NOVAMENTE NO CHÃO)

O PEIXE SE APROXIMA, SENTE A RESPIRAÇÃO.

Peixe              – É, o caso é muito grave! Preciso buscar ajuda. Esse Sapo não vai aguentar muito tempo aqui no fundo do rio. Aguenta firme aí que eu vou buscar ajuda!

O PEIXE SAI DE CENA. O SAPO SE LEVANTA COM DIFICULDADE.

Sapo              – (RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Preciso sair daqui! Tenho que voltar para superfície! Tem que ser agora, ou nunca. Eu vou conseguir! (O SAPO DÁ UM PULO E AGARRA EM ALGUNS PEDAÇOS DE PANO E VAI SAINDO DE CENA USANDO OS PANOS PENDURADOS).

ENTRA O PEIXE.

Peixe             – Ele tava bem aqui, ó! Ei, Dra. Tartaruga, cadê a senhora?

O PEIXE VOLTA ATÉ A COXIA PARA BUSCAR A TARTARUGA. VOLTA RÁPIDO AO PALCO.

Peixe             – Deixei o Sapo caído logo ali! Como é Dra.? É pra hoje ou pra amanhã?

ENTRA EM CENA, VAGAROSAMENTE, UMA TARTARUGA VESTIDA DE MÉDICA.

Peixe             – Anda, Dona Tartaruga, senão o Sapo não vai aguentar!

Tartaruga      – Calma, Peixe, devagar!

Peixe             – Mas o Sapo está morrendo!

Tartaruga      – Eu ainda não acredito nessa sua história, aonde já se viu um Sapo no fundo do rio?

Peixe             – Ele falou que uma bruxa jogou ele aqui dentro.

Tartaruga      – Uma bruxa? Sei!

Peixe             – Eu também não acreditei, mas ele não está bem, por isso fui buscar a sua ajuda.

Tartaruga      – Estou achando essa história muito estranha!

O PEIXE PARA E NÃO VÊ O SAPO.

Peixe             – Seu Sapo! Seu Sapo!

Tartaruga      – Cadê o Sapo, seu Peixe?

Peixe             – Ele estava aqui! Deitado! Quase morrendo.

A TARTARUGA COMEÇA A EXAMINAR O PEIXE.

Peixe             – Que isso, Dra.? Pare com isso!

Tartaruga      – Acho que o senhor não está bem, seu Peixe! Acho que toda essa poluição do rio está afetando a sua saúde. O senhor anda comendo esses lixos que jogam aqui dentro?

Peixe             – Eu não estou doente!

O PEIXE COMEÇA A TOSSIR.

Tartaruga      – Olha aí essa tosse! Fique quieto! Deixe eu lhe examinar direito.

Peixe             – É o Sapo que está doente, não sou eu!

O PEIXE VOLTA A TOSSIR.

Tartaruga      – O senhor anda bebendo essa água poluída que estão jogando dentro do rio?

A TARTARUGA TIRA DO BOLSO DO JALECO UM COMPRIDO E ENTREGA AO PEIXE.

Tartaruga      – Agora o senhor tome esse comprimido e vá descansar um pouco, pois o senhor está com sintomas de doente. Está tossindo muito. E cuidado com o quê come e com o quê bebe, pois esse rio já não é mais aquele. Agora o senhor me deixar ir, pois, já que não tem nenhum Sapo por aqui, tenho outros peixes para atender.

A TARTARUGA SAI DE CENA VAGAROSAMENTE. O PEIXE PROCURA O SAPO POR TODA A CENA.

Peixe             – Aonde foi parar aquele Sapo? Ele não aguentava nem respirar. Não pode ter ido assim tão longe.

O PEIXE SE SENTE CANSADO. TOSSE MAIS UM POUCO. OLHA O COMPRIMIDO E RESOLVE TOMÁ-LO.

Peixe             – Vai ver eu tô mesmo ficando maluco! Será que to ficando doente de verdade?

O PEIXE SE SENTA EM UMA PEDRA.

Peixe             – Às vezes eu tenho saudades daquelas águas claras, agora é tudo embaçado! Vai ver que, de repente, nem era um Sapo! Será que não era um Sapo? Ou será que era? Aiaiaiaiai! A água desse rio não deve estar mesmo me fazendo bem!

O SAPO ENTRA EM CENA COMO TIVESSE CAÍDO DOS PANOS.

Peixe             – É você, Sapo?

Sapo              – Olá meu amigo, você pode me ajudar a voltar pra superfície?

Peixe             – Aonde você se meteu?

Sapo              – Eu tentei chegar na superfície, mas quando já estava quase saindo da água, esses panos arrebentaram e cai novamente no fundo do rio.

Peixe             – Sei! Foi saiu pendurado! O senhor Sapo ta querendo me por maluco?

Sapo              – Primeiro, eu não sou Sapo, eu estou Sapo!

Peixe             – Como?

Sapo              – Eu na verdade sou um Rei. A bruxa da mãe da namorada do meu filho, me jogou esse feitiço porque meu filho não quis mais casar com a filha dela. Então, ela me transformou neste Sapo e me jogou dentro deste rio.

Peixe             – Sei.

Sapo              – E tem mais, eu sou o dono de todo esse lugar, este rio, inclusive é meu, pois está na minha propriedade.

Peixe             – Ah, quer dizer que este rio é seu?

Sapo              – Sim! E tudo o que está dentro.

Peixe             – Quer dizer que então o senhor Sapo Rei é o responsável pela poluição do meu lar? Porque se o nobre Rei não sabe, aqui é meu lar! Meu e de várias outras espécies que estão morrendo. E olha só como está isso aqui. Olha as águas, não se vê um palmo a nossa frente, de tanta lama, tanto esgoto, olha só esses lixos, plásticos e sujeiras. Olha só o meu estado, todo sujo, todo cheio de lama, óleo e de esgoto. E quer dizer que tudo isso é culpa sua? E o senhor ainda quer a minha ajuda? Se vira, senhor Sapo Rei!

O PEIXE SAI DE CENA, ENFURECIDO.

Sapo              – Ei, seu Peixe, eu não sabia que isso estava assim! Eu prometo mandar limpar esse rio quando voltar a ser Rei. Volte aqui.

O SAPO COMEÇA A SENTIR DIFICULDADE DE RESPIRAR.

Sapo              – Seu Peixe! Seu Peixe. Por favor! Eu não estou conseguindo mais respirar direito. Me ajude a chegar até a superfície. Eu… Eu…

O SAPO DESABA NO CHÃO. ENTRA A TARTARUGA.

Tartaruga      – Olha só, não é que o Peixe tinha razão! Um Sapo caído no fundo do rio. Será que ele ainda está vivo?

A TARTARUGA PEGA O SEU ESTETOSCÓPIO E EXAMINA O SAPO. FAZ MASSAGENS NO PEITO E RESPIRAÇÃO BOCA A BOCA. O SAPO RESPIRA.

Tartaruga      – Muito bem, ainda está vivo!

Sapo              – (FALANDO E RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Por favor, me ajude!

Tartaruga      – Como o senhor chegou até aqui?

Sapo              – (FALANDO E RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Foi a bruxa!

Tartaruga      – É, essa água poluída não está fazendo bem para os habitantes deste lugar. Muita poluição deve estar afetando a mente de todos por aqui.

Sapo              – (FALANDO E RESPIRANDO) Eu não sou Sapo, eu sou um Rei!

Tartaruga      – Ih, o seu caso deve ser muito pior que eu imaginava. O senhor já está delirando! Precisamos levá-lo para um hospital urgente!

Sapo              – (CONTROLANDO A RESPIRAÇÃO) Não, eu só preciso voltar para superfície. Preciso respirar.

Tartaruga      – O senhor tem certeza que está bem? Olha lá, hein? Eu como médico tenho o dever de zelar por sua saúde.

Sapo              – E eu como Rei, deveria zelar por esse rio. E é isso que vou fazer assim que voltar a ser Rei. Eu preciso sair daqui.

Tartaruga      – Vou ter que lhe receitar uns remedinhos.

Sapo              – Não precisa! Preciso que a Dra. Tartaruga me ensine o caminho para a superfície.

O SAPO JÁ COMEÇA A RESPIRAR NOVAMENTE COM DIFICULDADES.

Tartaruga      – Mas isso é muito fácil!

A TARTARUGA APONTA PARA UM DOS LADOS DO PALCO.

Tartaruga      – O senhor segue por aquela direção que aos poucos o senhor chega à margem do rio.

Sapo              – Muito obrigado, Dra. Tartaruga! Até logo!

Tartaruga      – Ei, espere!

A TARTARUGA TIRA DO BOLSO DO JALECO, UM RECEITUÁRIO E UMA CANETA. ESCREVE.

Tartaruga      – Leve essa receitinha. Tome esses comprimidinhos três vezes ao dia até o senhor melhorar.

A TARTARUGA ENTREGA A RECEITA AO SAPO.

Sapo              – A Dra. Pode me emprestar sua caneta?

Tartaruga      – (ENTREGANDO A CANETA) Claro que sim!

O SAPO ESCREVE NO VERSO DA RECEITA E A ENTREGA À TARTARUGA.

Sapo              – Quando a Dra. encontrar o Peixe, faça o favor de entregar esse bilhete para ele.

Tartaruga      – Mas e a receita!

Sapo              – Eu não vou precisar!

O SAPO SAI SALTITANTE POR UM DOS LADOS DO PALCO.

Tartaruga      – É, a vida no fundo deste rio já não é mais a mesma. Saudade de quando as águas eram claras e menos poluídas por aqui. A vida aqui embaixo era mais saudável, hoje em dia, tudo parece de ponta cabeça. Deve ser toda essa sujeira que despejam dentro deste rio. Bom, deixe eu caminhar que há muito a se cuidar.

A TARTARUGA VAI SAINDO VAGAROSAMENTE. ENTRA O PEIXE.

Peixe             – Dra. Tartaruga! Dra. Tartaruga. Espere!

A TARTARUGA PARA E SE VIRA.

Peixe             – A senhora não viu o Sapo?

Tartaruga      – Vi sim!

Peixe             – Viu só como eu não estava louco!

Tartaruga      – É verdade! Mas aquele Sapo não está bem. Disse-me que era um Rei.

Peixe             – E para onde ele foi?

Tartaruga      – Eu lhe ensinei o caminho até a margem. Já se foi. Até mais! E vê se você se cuida, porque sua saúde não está nada boa.

O PEIXE BUSCA UM POUCO DE AR E DEPOIS TOSSE BASTANTE.

Peixe             – Eu não tenho nada!

Tartaruga      – Ah! Eu já ia me esquecendo. O Sapo Rei pediu que eu lhe entregasse esse bilhete.

A TARTARUGA ENTREGA O BILHETE E SAI DE CENA, VAGAROSAMENTE. O PEIXE SE SENTA SOBRE UMA PEDRA.

Peixe             – (LENDO O BILHETE) “Meu amigo Peixe, queria em primeiro lugar pedir desculpas pelo meu povo tornar a sua casa assim tão suja e estar fazendo tão mal à vida de vocês todos. Não sabia que as coisas estavam tão ruins assim aqui embaixo, mas estou lhe dando minha palavra de Rei, que assim que voltar a ser Rei de novo, vou limpar todo esse lugar. Palavra de Rei!”

O PEIXE COMEÇA A TREMER E A TOSSIR.

Peixe             – Será que o Sapo é mesmo Rei?

BLACK-OUT. FOCO NO PROSCÊNIO COMO SE VOCÊ A BEIRA DO RIO. O SAPO JÁ TRANSFORMADO EM REI, SE TOCA.

Rei                 – Finalmente o feitiço daquela bruxa chegou ao fim. Mas ele vai me pegar, ah, se vai!

O REI SE VIRE PARA TRÁS E OLHA PARA O CHÃO TENTANDO VER O SEU REFLEXO NA ÁGUA.

Rei                 – Não consigo ver direito o meu reflexo nessa água! Como essa água está suja! (LEMBRANDO DE ALGO) O Peixe! Eu prometi ao peixe que iria dar um jeito na poluição desse rio. Conselheiro! Guardas! Quando a gente precisa, não encontra ninguém! Mas deixa estar, vamos ao que interesse:

O REI, SE DIRIGINDO À PLATEIA

Eu, o Rei de todo este reino, decreto que a partir de hoje, está proibido poluir os rios deste lugar e quem não cumprir sofrerá as penas da lei! Que se cumpra a ordem do Rei!

APAGA-SE O FOCO DO REI. FOCO NO CENTRO DO PALCO. O PEIXE TREME E TOSSE SEM PARAR. A LUZ VAI CAINDO EM RESISTÊNCIA À MEDIDA QUE O PEIXE VAI DESFALECENDO.

– FIM –


E a criança, como fica nesta história?

maio 27, 2011

Hoje não está nada fácil escrever um texto infantil, se já não bastasse toda a complexidade que é contar uma história para os pequenos, um outro problema vem contribuindo para essa dificuldade, a questão do politicamente correto. Mas, qual o politicamente correto? O meu, o seu, ou o da criança? Será que a criança não direito de enfrentar as situações adversas? Alguém perguntou para criança o que ela acha tudo isso?

Esse zelo exacerbado que chega às raias da neurose, está tornando o ofício de escrever histórias para crianças algo quase mecânico, pois nada pode. A inocência da criança que brinca com as situações que ela vivencia, está sendo fortemente vigiada. E, se já não bastasse toda a violência urbana que acabou empurrando as crianças para dentro das casas, querem decidir o que a criança pode ou não pode assistir.

A onda do “bom-mocismo” que tomou conta do país acabou extrapolando e tornando situações que outrora eram naturais, quase proibitivas. O que seria de Maurício de Souza se tivesse criado nos dias de hoje, “A Turma da Mônica”? Chamar um menino de “Cebolinha”, um outro de “Cascão” e uma menina de “Gorducha” e “Dentuça”, lhe decretaria o fracasso, jamais se tornaria o sucesso que é nos dias de hoje. Como tudo na vida, o excesso de preocupação, acabou criando um monstro, e querem que fechemos as crianças em redomas de vidros, distantes de todo e qualquer mal.

Será que tal atitude está fazendo bem para as crianças? Como elas poderão discernir o que é certo ou errado? E como elas vão saber se isso ou aquilo é certo ou não, se estão limitadas a aceitar apenas o que lhes é imposto como politicamente correto diante dos olhos de alguns? A sociedade está escrevendo um texto infantil com uma lição de moral no final. Algo muito ruim para criação do cidadão de amanhã.

Quando penso em escrever algum texto, contar alguma história infantil, sinto até um frio na espinha, pois sei que certamente enfrentarei muitos problemas, porque pra mim, criança é criança e tem de ser respeitada como um consumi-dor da minha literatura e do meu teatro e sempre falarei para ela, olhando nos olhos dela, e usando a sua linguagem. A única coisa que faço questão é de que a criança tenha a sua impressão sobre o que escrevi. Ela que vai dizer o que é certo ou errado, e não eu! Eu apenas lhe mostrei as situações.

Preocupações com a violência, com a educação, com as drogas e com tudo mais que cerca o universo infantil nos dias de hoje, eu também tenho, pois sou pai. Mas não posso querer esconder das minhas filhas, algo que a vida por certo lhes mostrará. E pintar o mundo de cor-de-rosa, querendo que só o bem faça parte, é utopia. A vida é feita do bem e do mal.

Por que será que os vilões fazem tanto sucesso? Porque os vilões é que tornam os heróis, exemplos para criançada. Impedir, esconder, disfarçar todo mal que há no mundo, não vai livrar a criança dos problemas. O melhor é deixar que os autores, usem a sua criatividade, abusem do lúdico e falem a língua da criança, colocando no papel, as situações comuns às crianças. Ou será que as crianças de hoje não tem mais apelidos?


O CRAVO E A ROSA

agosto 25, 2010

CENÁRIO: UM JARDIM

ABREM-SE AS CORTINAS, A ROSA ESTÁ EM CENA. LINDA, VERMELHA. QUASE UMA PRINCESA.

ROSA            – Bom dia, dia! Bom dia, Sol! Que lindo dia para encontrar um belo namorado. Tomara que aquele Lírio lindo passe por aqui hoje! Tenho certeza que hoje ele vai me notar, pois estou mais bonita do que os outros dias. E se ele olhar pra mim… Aaaaaaiiii… acho que vou desmaiar de emoção!

ENTRA EM CENA O CRAVO. SIMPLES, SEM GRAÇA, UM CAIPIRA. TRAZ UM VIOLÃO.

CRAVO         – Bão dia, minha princesa!

ROSA            – Estava um bom dia… Até você aparecer por aqui.

CRAVO         – Mas, ocê tá uma belezura hoje, hein?

ROSA            – Você não tem outro lugar pra ir não?

CRAVO         – Que lugar desse jardim todo eu vô achá uma Rosa mais linda que ocê?

ROSA            – Larga do meu pé, chulé!

CRAVO         – Só largo do seu pé quando ocê aceitá namorá com eu?

ROSA            – Não é: namorar com eu! É namorar comigo!

CRAVO         – Inton, ocê aceita?

ROSA            – Claro que não! Já falei que não quero nada com você. Se você quiser, posso até ser sua amiga. Mas, só!

CRAVO         – Fiz até uma moda pr’ocê. Iscuita só!

CRAVO DEDILHA UM ACORDO SERTANEJO NO VIOLÃO.

ROSA            – Pode parar, pode parar, pode parar! Eu odeio a sua cantoria. Agora me dá licença que está quase na hora do meu futuro namorado passar por aqui.

CRAVO         – Mas, o seu namorado já táqui. Oia só!

FAZ POSE DE FORTÃO E ESBOÇA UM OLHAR SEDUTOR.

CRAVO         – Não sou uma beleza?

ROSA            – Você é um chato, isso sim! Agora vai procurar a Margarida, vai! Quem sabe ela não te dá bola? Pois o meu negócio é com o Lírio! Ele sim, é lindo, elegante, perfumado.

CRAVO         – Ih, tá me chamando de fedido?

O CRAVO SE CHEIRA. FAZ MENÇÃO DE SE SENTIR FEDIDO.

ROSA            – (RINDO) Viu só! Até você não agüenta o seu cheiro.

CRAVO         – Oia aqui, sua… sua… Qué sabê de uma coisa? Eu num quero mais sabe de ocê. E fica aí mesmo esperando aquele almofadinha do Lírio, fica!

ROSA            – Fico mesmo, ta?

CRAVO         – Vai ficá esperando e vai até cansá!

ROSA            – Quem disse que eu vou cansar?

CRAVO         – Quem disse que o Lírio vai te bola?

ROSA            – Eu sou a Rosa, a mais bela do jardim!

CRAVO         – Seu eu fosse ocê, aceitava logo namorá com eu!

ROSA            – Já falei que não é com eu! É comigo! É comigo! E o Lírio, vai sim querer namorar comigo, ta?

CRAVO         – Intão ta bão! Quero vê quando ocê ficá véia, feia, murcha, sozinha e toda despetalada? Aí, nem adianta vim me procurá, viu?

ROSA            – Seu horroroso. Eu é que nunca vou namorar com você! Você é um grosso! Fora daqui!

A ROSA ATIRA UM VASO EM CRAVO. ELE TENTA SE PROTEGER E DEIXA O VIOLÃO NO CHÃO. O CRAVO SE ESCONDE E FICA OBSERVANDO ROSA.

ROSA            – Esse Cravo é um insuportável! O pior é que ele não larga do meu pé! Eu vou lhe mostrar uma coisa. Volta aqui!

ROSA VAI ATÉ O CENTRO DO PALCO E PROCURA POR CRAVO.

ROSA            – Cravo, cadê você! Seu sem graça! Aparece. Agora!

ROSA PÁRA NO CENTRO DO PALCO, OLHA E NÃO VÊ NINGUÉM.

ROSA            – Será? Será que o Cravo tem razão? Será que o Lírio não vai querer namorar comigo? E eu vou ficar sozinha? Não! Não posso ficar sozinha! Velha, feia, murcha e despetalada? Aí que medo! Ei, Cravo, volta aqui. Você está certo! Não quero mais saber de esperar o Lírio. Eu aceito namorar com você!

A ROSA VOLTA A PROCURA POR CRAVO.

ROSA            – (CHOROSA) Cravo! Cravo! Cadê você?

O CRAVO SAI DO ESCONDERIJO COM UM LENÇO SUJO DE VERMELHO AMARRADO NA CABEÇA.

CRAVO         – Ai! Ai minha cabeça!

ROSA            – O que aconteceu?

CRAVO         – Ocê num alembra? O vaso que ocê jogou ni mim?

ROSA            – Desculpa, Cravo. Não queria te machucar!

CRAVO         – Mas, machucô!

ROSA            – Deixa eu ver isso!

CRAVO         – Não! Meio ocê nem mexe!

ROSA            – Então vamos fazer as pazes!

CRAVO         – Tá bem! Eu aceito suas desculpas!

ROSA            – Você gosta mesmo de mim?

CRAVO         – Craro que gosto! Ocê sabe que sim. Mas se ocê prefere o Lírio, ocê precisava sabê que vai ficá véia, feia, murcha, despetalada e sozinha pra sempre!

ROSA AMEAÇA BATER EM CRAVO.

CRAVO         – Ai!… Tô vendo tudo escuro! Acho que vô desm…

O CRAVO DESABA NO CHÃO, DESMAIADO.

ROSA            – (DESESPERADA) Ai, Desculpa! Eu não ia fazer nada em você! Socorro! Eu aceito até namorar com você! Alguém me ajude, por favor! Será  que eu matei o Cravo? Agora que estou perdida mesmo. Vou ficar velha, feia, murcha, sozinha, despetalada e passar o resto da minha vida na cadeia.

A ROSA CORRE PELO PALCO. O CRAVO LEVANTA A CABEÇA E RI DO DESESPERO DA ROSA. ELA VOLTA ATÉ ELE E ELE SE DEITA DE NOVO.

ROSA            – (CHORANDO) Cravo! Meu amigo Cravinho! Fala com a sua Rosa! Eu pensei melhor. Eu aceito namorar com você. Me dá um sinal.

ROSA SE AJOELHA E APOIA A CABEÇA DE CRAVO EM SEUS BRAÇOS. O CRAVO ABRE O OLHO E DÁ UM GEMIDO.

ROSA            – Cravo! Você está bem?

CRAVO         – Quem é ocê?

ROSA            – Sou eu! A sua Rosa. Lembra?

CRAVO         – Que Rosa?

ROSA            – A sua namorada!

CRAVO         – Eu num tenho namorada.

ROSA            – Agora tem! Eu aceito namorar com você!

O CRAVO DÁ UM PULO E FICA DE PÉ.

CRAVO         – Jura? Sabia que ocê gostava de eu!

ROSA            – Não é gostava de eu! É, gostava de mim! E você não passa de um mentiroso! Eu vou acabar com você! Onde já se viu enganar  os  outros. Eu

toda preocupada e você aí, fingindo! Seu grosso!

ROSA AMEAÇA BATER NO CRAVO.

CRAVO         – Ai, minha cabeça!

ROSA            – (COM RAIVA) Como você pôde fazer isso comigo? Assim que você gosta de mim? Eu não quero mais saber de você. Nunca mais! Nem que eu fique velha, feia, murcha, toda despetalada e sozinha!

ROSA DÁ UM EMPURRÃO NO CRAVO

ROSA            – E sai da minha frente!

ROSA SAI DE CENA FURIOSA.

CRAVO         – Espera por mim, minha belezura! Num faz assim com eu! Eu gosto de ocê de verdade! Foi só uma brincadeira! Eu sabia que ocê gosta de eu! Eu sabia!

O CRAVO SAI ATRÁS DE ROSA. ENQUANTO ELE SAI, TOCA A MÚSICA: O CRAVO E A ROSA.   

APAGAM-SE AS LUZES. FECHAM-AS CORTINAS.              

– FIM –


A importância do texto infantil

outubro 18, 2009

Muito mais do que conter e contar fábulas, um texto infantil para teatro, tem uma função ainda pouco explorada, ou pelo menos, não se vê muita divulgação de sua utilização para esse fim: o de servir como um forte instrumento de apoio pedagógico, auxiliando na educação da criança.

Enfatizar apenas o lado lúdico que o teatro, com toda sua magia, é capaz de passar, é muito pouco para um texto infantil de teatro. Ele pode ser muito melhor explorado, do que ser apenas uma parte de um espetáculo infantil oferecido à criança como passeios em datas festivas.

Utilizar o texto infantil de teatro na sala de aula, servindo-se de suas histórias para trabalhar de maneira mais lúdica, assuntos por vezes difíceis de lidar, até mesmo pela complexidade do tema, a princípio pode parecer que não, mas é sim, um diferencial para a educação infantil.

A pedagogia precisa se ater a esse detalhe, pois o teatro como arte pura e o seu texto infantil utilizados como instrumentos multiplicadores de idéias e, acima de tudo, como facilitadores para trabalhar ações e sentimentos, só tem a acrescentar na melhoria da educação, seja ela de forma informal, ou de forma didática.

Mais e mais fica claro, que não bastam apenas os métodos ortodoxos de educação para ensinar a criança dos dias de hoje, e cada vez mais é preciso se buscar um diferencial para estimular a criança á aprender. E a utilização do texto infantil de um espetáculo teatral caminha neste sentido.

É claro que não é sempre que se pode se utilizar de textos infantis, mesmo porque, ainda são raros, ou de pouco conhecimento, textos que possam servir de fato, como apoio pedagógico. E também, não se deve incorrer no mesmo erro de outrora, forçando a criança a ler vários textos infantis, assim como se fez, e se faz com a literatura, pois assim, corre-se o risco de se obter o efeito contrário.

O texto infantil se faz importante quando ele é usado na medida certa entre o que é lúdico e o que é didático, servindo de estimulo, instigando a investigação, apoiando a pedagogia no dia-a-dia e trazendo para sala de aula, a magia existente no teatro de uma forma natural, para que todos possam usufruir de cada pedacinho da história.


Texto Infantil não é textinho

abril 5, 2009

Acho que existe um grande  equívoco  quando  se  fala  em  texto para teatro infantil. Ás vezes pode ser que nem seja de forma pejorativa, mas as pessoas acabam sempre classificando os textos infantis como se estes fossem algo menor. Texto para teatro infantil não é textinho.

Talvez, escrever um texto infantil não seja muito mais trabalhoso do que escrever um texto para o público adulto deve pensar um leigo. Ele não tem é idéia! Escrever texto infantil é muito mais do que trabalhoso, pois não basta escrever e contar uma boa história faz-se necessário muito mais. Tem-se que acima de tudo, ter o cuidado de respeitar a criança como um espectador.

No afã de se montar um espetáculo de teatro, muitos recorrem aos textos de teatro infantil como se eles fossem mais simplistas, e essa forma de encarar os textos infantis é que me causa profundo descontentamento. Por que esse descaso com o teatro infantil?

Todo esse desrespeito, que começa com o texto, acaba desaguando nas montagens de espetáculos infantis, que são tratadas, na maioria das vezes, não como parte de uma arte, mas apenas como “teatrinho”. Quantas vezes você já ouviu: “Vamos ao teatrinho?” Isso é o fim da picada, tanto para quem escreve, quanto para quem atua com o teatro infantil.

Se não bastasse tudo isso e todo o preconceito que ronda o trabalho do teatro infantil muitas das pessoas que fazem teatro acabam por desmerecer o texto para o teatro infantil e todo o seu processo. Como dizia Tatiana Belinky: “Pecinha é a vovózinha!” É certo que as pessoas querem montar espetáculos infantis, mas respeitem os textos, por favor!

Espero que um dia, os textos para o teatro infantil tenham o mesmo reconhecimento que os textos para o público adulto, e que as pessoas, quando forem montar espetáculos infantis, comecem, no momento da escolha do texto, dando-lhe o devido respeito.

Então, você que acredita no teatro infantil, lembre-se que texto para o público infantil é algo muito sério. Ah, e também não esqueça: Texto Infantil não é textinho. E assim, sempre que for escolher um texto infantil, lhe dê o respeito que todo texto merece, combinado?