DEPOIS DAQUELA CANÇÃO

janeiro 10, 2020

TEXTO ADULTO DE CURTA DURAÇÃO

AUTOR: PAULO SACALDASSY

PERSONAGENS

HEITOR

JULIA

CENÁRIO: UMA CAMA DE CASAL NO CENTRO DO PALCO, DE UM LADO, UMA CÔMODA, E DO OUTRO UM GUARDA-ROUPA. DE UM DOS LADOS, A PORTA DO QUARTO.

AO ABRIR AS CORTINAS, O PALCO ESTÁ ESCURO, APENAS UM FOCO DE LUZ SOBRE O CASAL QUE ESTÁ SENTADO NO CHÃO, AOS PÉS DA CAMA, UM COM AS COSTAS ENCOSTADAS NO OUTRO. ELE VESTE APENAS CUECA E ELA, CALCINHA E SUTIÃ. AOS POUCOS A LUZ VAI ABRINDO ATÉ LUZ GERAL.

Julia                 – Acho que a gente exagerou um pouco no vinho!

Heitor             – Só um pouquinho!… Mas, foi bom, não foi?

Julia                – Sabe há quanto tempo a gente não faz isso?

Heitor             – Ah!… Sei lá!… No casamento da tua irmã?

Julia                – É!… No casamento na minha irmã! Sabe quanto tempo faz isso?

Heitor             – Dois anos?                              

Julia                – Cinco!… Cinco anos!

Heitor             – O tempo tá voando mesmo!

Julia                – Sabe o que isso significa?

Heitor             – Já falei!… O tempo tá voando!

Julia                – Nada disso! Isso significa que as coisas não são mais como antes.

Heitor             – Como não?

Julia                – Se lembra quando a gente se conheceu?

Heitor             – Claro! Timtim por timtim! Lembro até a roupa que você estava?

Julia                – Taí, quero ver!

Heitor             – Você estava de vestido vermelho, sapatos de salto alto…

Julia                – Pára, Heitor!

Heitor             – Não era essa?

Julia                – Claro que não!

Heitor             – E qual era?

Julia                – Calça Jeans e camiseta!

Heitor             – Jura?

Julia                – Claro!

Heitor             – Acho que você tá fazendo confusão por causa do vinho!

Julia                – Não vou nem discutir!

Heitor             – Quer ver como vou te provar que eu tô certo?

Julia                – Duvido!

Heitor             – A gente se conheceu na fila do cinema!

Julia                – Errado!

Heitor             – Como errado?

Julia                – Foi na fila do banco!

Heitor             – Olha aí! Não falei que foi na fila?

Julia                – Tenho saudades daqueles tempos!

Heitor             – Eu também!

Julia                – Se lembra que você me prometeu as estrelas?

Heitor             – Te levei as alturas várias vezes! Você não pegou porque não quis!

Julia                – Sem graça!

Heitor             – Você lembra daquela música?

Julia                – Como eu ia esquecer?

HEITOR LEVANTA-SE, PEGA JULIA E COMEÇA A CANTAR UMA MÚSICA RO-MÂNTICA (A ESCOLHA). OS DOIS DANÇAM AGARRADINHOS PELO PALCO.

Heitor             – Eu me lembro de tudo!

Julia                – Eu também!

Heitor             – Sua boca!…

Julia                – Seus olhos!…

Heitor             – Seu olhar!…

Julia                – Seu beijo!

OS DOIS BEIJAM-SE APAIXONADOS, ENQUANTO VÃO DANÇANDO.

Julia                – Espera, Heitor!… Tô vendo tudo rodar!

Heitor             – Fecha os olhos!

Julia                – Pára, Heitor!

Heitor             – Tá bom!

OS DOIS PARAM. JULIA SENTA-SE NA CAMA.

Julia                – Acho que por hoje chega!… Amanhã vou ter um dia duro!

Heitor             – Esquece amanhã!

Julia                – Não posso!

Heitor             – Só hoje!

Julia                – Agora chega, Heitor!… Tô cansada! Vou deitar!

Heitor             – Só mais um pouquinho!

Julia                – Vem, vamos deitar, vai!

Heitor              – Julia!

Julia                – Fala, Heitor!

Heitor             – Sabe, a Helena?

JULIA SE LEVANTA DA CAMA.

Julia                – Não acredito que você vai terminar nossa noite com essa mulher!

Heitor             – É que tenho uma coisa importante pra falar!

Julia                – Essa mulher é uma fantasma em nossa vida!

Heitor             – Nunca foi um fantasma!

Julia                – Não se faça de mal entendido!

Heitor             – Tudo bem!… Deixa pra lá!

Julia                – Agora que já estragou a noite, fala!

Heitor             – Hoje a gente bebeu demais! É melhor, não!

Julia                – Ela não foi morar fora do país?

Heitor             – Foi! Você não lembra?

Julia                – Como é que eu ia esquecer? Você não deixa, não é mesmo?

Heitor             – Quem escuta pensa que eu falo nela todo dia!

Julia                – É, mas é só beber um pouquinho a mais, que lá vem você e essa Helena! Às vezes acho que você só ficou comigo porque ela foi embora!

Heitor             – Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

Julia                – Na certa, quando tava comigo, pensava na outra! Ah, como teria sido com ela?

Heitor             – Não fala isso! Você sabe que isso não é verdade!

Julia                – Mas, desembucha! O que é que foi com a Helena? Morreu?

Heitor             – Vamos dormir!… Você tem razão, a gente exagerou no vinho!

HEITOR SE DEITA NA CAMA. JULIA ANDA PELA CENA.

Julia                – Eu não acredito! Uma noite maravilhosa dessa, e você tinha que tocar no nome daquela mulher!

Heitor             – Chega, Julia!

Julia                – Diz, Heitor, diz! O que é que tem a Helena?

HEITOR SENTA-SE NA CAMA.

Heitor             – A Helena voltou!

Julia                – E o que é que tem?

Heitor             – Ela me procurou!

Julia                – Que vagabunda!

Heitor             – A gente conversou!

Julia                – Bem que eu estava desconfiada nesta noite especial!

Heitor             – A gente tinha muito que conversar!

Julia                – Deviam ter, mesmo!

Heitor             – Assim vai ficar difícil!

Julia                – Tantos anos longe, não é mesmo?

Heitor             – A gente resolveu…

Julia                – Só espero que você não tenha feito nenhuma besteira!

Heitor             – A gente vai se dar uma chance!

JULIA DESABA SOBRE A CAMA.

Heitor             – Eu tava indeciso, mas… Olha!… Julia!… Eu não queria!…

Julia                – Eu não acredito!

Heitor             – Eu quero que você entenda! Não foi uma coisa pensada!

Julia                – Eu sempre esperei por isso! Sabia que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer!

Heitor             – Não era a minha intenção! Juro!

JULIA LEVANTA-SE.

Julia                – Todos esses anos, e você brincando de casinha comigo, não é?

Heitor             – Não!… Eu sempre fiz tudo por você!

Julia                – Eu sei muito bem, o tudo que você fez!

Heitor             – A gente foi feliz!

Julia                – Só se for na fotografia!

Heitor             – Não fala assim!

Julia                – Tudo que abri mão por você!

Heitor             – Eu também tive que fazer isso!

Julia                – As coisas que eu fiz por você!

Heitor             – Eu não pedi nada!

Julia                – Eu fiz por amor! Por amor! Mas, você não sabe o que é isso!

Heitor             – Eu não queria te magoar!

Julia                – Não quero tua piedade!

Heitor             – Amanhã mesmo eu vou embora!

Julia                – Some da minha frente! Não quero ver mais essa sua cara deslavada!

Heitor             – Não faz assim, Julia! A gente sempre foi amigo!

Julia                – Sabe o que você faz com essa amizade?

Heitor             – Assim você está deixando as coisas mais difíceis!

Julia                – Ah! Você achava que seria tudo fácil? Você chegava e dizia assim: Olha, Julia, sabe da Helena? É, a Helena! Encontrei com ela e a gente resolveu que vai ficar juntos! Aí então, eu virava pra você e dizia: Claro, Heitor! Pode ir com ela, eu não me importo!… Vai à merda, Heitor! Vai à merda!

Heitor             – Eu sabia que não seria fácil, mas você tá complicando ainda mais!

Julia                – Ah! Quer dizer que pra você, um casamento de dez anos acaba assim… feito poeira! Você vem e me assopra pra fora da tua vida!

Heitor             – Você sabe que não é nada disso!

Julia                – Olha, Heitor! Melhor você sair desse quarto, senão!…

Heitor             – Senão o quê?

Julia                – Não me obrigue a falar coisas que não quero falar!

Heitor             – Por que você está tornando tudo tão difícil?

Julia                – Quem te falou que eu queria me separar de você?

Heitor             – Não se trata disso!

Julia                – Ah! Esqueci que você quem toma a decisão! Eu só digo:sim senhor!

Heitor             – Não estava nos meus planos!

Julia                – Você nunca esqueceu essa vagabunda! Ficou comigo por conveniência!

Heitor             – Isso é mentira!

Julia                – Tinha levado um pé na bunda, e como tinha uma trouxa te dando bola, você foi lá, e eu, caí feito uma patinha!

Heitor             – Eu fui verdadeiro com você! Eu senti cada momento de prazer!

Julia                – Eu sei! Sei tanto, que até acreditei que você jamais teria coragem de fazer o que está fazendo hoje!

Heitor             – Você acha que eu passei a minha vida inteira fazendo planos para o dia que eu fosse me separar de você?

Julia                – Some da minha frente!

Heitor             – Eu devia ter feito isso antes!

Julia                – Eu vou acabar com você!

Heitor             – Você está me fazendo arrepender de cada momento que eu passei com você!

Julia                – Eu já me arrependi disso, faz tempo!

HEITOR ABRE O GUARDA-ROUPA E COMEÇA APANHAR SUAS ROUPAS.

Heitor             – Pensei que pudesse ficar com você essa noite pra que a gente se entendesse!

JULIA VAI ATÉ A CÔMODA, ABRE AS GAVETAS E COMEÇA ATIRAR ROUPAS EM CIMA DE HEITOR. HEITOR SE VESTE.

Julia                – Como você é bonzinho!

Heitor             – Chega de ironia!

Julia                – Ah, o moço não quer ironia?

Heitor             – Não me tire do sério!

Julia                – Por quê? Vai me matar?

Heitor             – Não me obrigue a fazer o que eu não quero!

Julia                – Você pode me obrigar a fazer o que eu não quero, né? Engraçado!

Heitor             – Acho que nesse caso, não é questão de obrigar ninguém a nada!

Julia                – Ah! Tem razão, você apenas fez uma comunicação!

Heitor             – Não achei que seria assim?

Julia                – E é melhor a gente parar por aqui!

Heitor             – É melhor mesmo!

HEITOR  COMEÇA  A  AJEITAR SUAS ROUPAS DENTRO DA MALA. JULIA VAI, DEITA-SE NA CAMA DE COSTAS PARA HEITOR. SILÊNCIO.

Heitor             – Olha, Julia! Não foi por mal!

Julia                – Tá bom, Heitor, já entendi!

Heitor             – Eu preferia que não tivesse sido assim!

Julia                – Tudo bem, Heitor, tudo bem!

Heitor             – Então, eu vou embora!

Julia                – Tchau!

Heitor             – Desculpe, Julia!

Julia                – Espera Heitor!

Heitor             – Fala!

Julia                – Você tem certeza do que está fazendo?

Heitor              – Certeza eu não tenho!

Julia                – Mas, vai fazer assim mesmo?

Heitor             – Só quero que você saiba que não foi nada com você!

Julia                – Pode até ser!

Heitor             – Preciso resolver isso comigo! Aqui dentro!

Julia                – Heitor!

HEITOR ESTÁ PRÓXIMA DA PORTA DO QUARTO.

Heitor             – Fala!

Julia                – Preciso te falar uma coisa!

Heitor             – Pode falar!

Julia                – Eu tenho outra pessoa!

HEITOR SOLTA A MALA NO CHÃO.

Heitor             – O quê?

Julia                – Nós estamos juntos há um ano!

Heitor             – Não acredito!

Julia                – Mas, eu precisava te contar!

JULIA DEITA-SE NA CAMA.

Heitor             – Não pode ser!

Julia                – Quando sair, apaga luz, tá?

Heitor             – Como você pode?

Julia                – É que amanhã tenho um compromisso!

Heitor             – Sua descarada!

Julia                – Vou ser feliz!

Heitor             – Você não podia ter feito isso!

Julia                – Boa sorte com a sua Helena!… Não esquece de apagar a luz, hein?

JULIA VIRA DE COSTAS PARA HEITOR. HEITOR VEM EM DIREÇÃO A CAMA E SACODE JULIA SEM PARAR, QUE NÃO REAGE, APENAS RI.

Heitor             – Por quê você fez isso? Por quê?

BLACK OUT. JÚLIA DÁ GARGALHADAS. AS GARGALHADAS VÃO SUMINDO AOS POUCOS, DANDO LUGAR A GEMIDOS DESESPERADOS. LUZ GERAL. JULIA ESTÁ ESTIRADA NA CAMA COM O TRAVESSEIRO SOBRE O SEU ROSTO. HEITOR PEGA SUA MALA E SAI.

APAGUAM-SE AS LUZES. FECHAM-SE AS CORTINAS.

FIM

                                                         


COM POLÍTICO NINGUÉM PODE

setembro 20, 2019

AUTOR

Paulo Sacaldassy

PERSONAGENS

POLÍTICO

ANJO

DIABO

CENÁRIO: QUARTO DE UM HOSPITAL

EM CENA, UM HOMEM DEITADO EM UMA CAMA, ESTÁ LIGADO A UM MONITOR CARDÍACO. ENTRA UM HOMEM DE TERNO AZUL CLARO.

Anjo    – É, meu amigo, parece que essa sua jornada por aqui está chegando ao fim. E como você me deu trabalho nessa sua vida, hein? Eu, um anjo acostumado a proteger todo tipo de pessoa, confesso: por muitas pensei em desistir dessa missão, acompanhar político não é tarefa fácil! Mas parece que agora sua jornada vai terminar e eu vou aproveitar para conseguir umas férias, porque acompanhar na Terra outro igual a você, sem condições!

O HOMEM ABRE OS OLHOS

Político – (FALANDO COM DIFICULDADE) Quem está aí?

Anjo      – Sou eu, o seu anjo da guarda. Mas não se preocupe, vai ficar tudo bem!

Político – Mas quem te mandou aqui?

Anjo       – Ninguém! Eu já lhe acompanho a vida inteira e não podia lhe abandonar justamente neste momento tão delicado!

Político – (SEGURA A MÃO DO ANJO) É muito bom saber que até nosso anjo da guarda está do nosso lado nessas horas.

Anjo       – Tudo bem! Agora descanse para não apressarmos o processo.

Político  – Muito bom saber que você está comigo.

O POLÍTICO SENTE O CORPO TREMER POR DEBAIXO DO LENÇOL.

Anjo       – Calma!  Vai ficar tudo bem!

ENTRA EM CENA, HOMEM VESTIDO DE TERNO ROXO.

Diabo    – Bom dia! Por acaso aqui é o quarto do Deputado Epaminondas Maciel?

Anjo       – Sim! O que o senhor deseja?

Diabo    – Vim buscá-lo

Político  – Como assim?

Anjo       – Quem é o senhor?

Diabo   – (ESTENDENDO A MÃO PARA O ANJO) Prazer, eu sou o Diabo! E vim buscar o nobre Deputado que tanto fez por merecer um lugarzinho comigo lá no inferno.

Político – Deve estar havendo algum mal entendido. Ô meu anjo, como a gente fica?

Anjo       – Fique tranquilo que ele não tem poder pra isso?

O DIABO TIRA DO BOLSO DO TERNO, UMA LISTA.

Diabo    – Vejamos!

Político  – Não estou gostando nada disso, seu anjo!

O CORPO DO POLÍTICO TREME OUTRA VEZ POR DEBAIXO DO LENÇOL

Diabo    – Segundo a minha lista, o nobre Deputado tem feito brilhantes trapaças que o condecoraram, com excelência, e lhe garante um lugar de destaque lá no inferno.

Político  – Isso é sério? Quais são os meus benefícios?

Anjo       – Deputado! Então me prove.

Político  – Não faz isso, seu Diabo!

Diabo    – Vamos começar com o primeiro cargo público do nobre político.

Político  – Aí eu estou tranquilo.

O ANJO TIRA DA ROUPA UMA AGENDA E COMEÇA A FOLHEÁ-LA..

Diabo    – O nobre Deputado, foi convidado a ocupar a Secretaria de Recursos Humanos da Prefeitura de… (O DIABO PROCURA O NOME)… Bem, não importa, importa o feito, porque esse foi brilhante.

Político  – Puxa, eu nem me lembrava disso! É, fui brilhante!

Anjo       – Não existe nada que ele tenha feito de errado nessa época. Tenho tudo anotado aqui!

Diabo    – É justamente aí que mora o brilhantismo da empreitada.

Político  – Fui brilhante mesmo! E as tontas das meninas estão respondendo processo até hoje.

Anjo        – Mas o quê você fez de tão errado que eu não fiquei sabendo?

Político   – Deixa pra lá! Isso já faz muito tempo…

Anjo        – Eu preciso saber. Como vou lhe defender?

Diabo     – Eu lhe conto, querido anjo. O nobre Deputado convenceu as duas responsáveis do setor de folha de pagamento, a incluir funcionários fantasmas na folha da Prefeitura, de preferência alguém que elas tivessem contato e creditavam os salários em contas de parentes das funcionárias fantasmas e, depois, dividiam oitenta por cento para ele e vinte por cento para elas. Um plano perfeito! E a culpa caiu em cima de quem? Das funcionárias. Brilhante!

Anjo      – Mas foram as funcionárias que se desviaram de seus caminhos.

Político – É, isso é verdade! Só tive a ideia e lucrei o dinheiro, o trabalho sujo não foi meu!

Diabo    – Mas não seja por isso, tenho mais.

O DEPUTADO SENTE NOVAMENTE O CORPO TREMER SOB O LENÇOL..

Anjo       – Só que ele fez também, muita coisa boa nessa sua jornada. Deixe eu lhe mostrar essa aqui.

Político  – Isso também é verdade! Ajudei muita gente.

Diabo    – Sempre com segundas intenções, nobre Deputado.

Anjo       – Engano seu, meu amigo. Tenho aqui. (FOLHEANDO A AGENDA) Aqui! Assim que assumiu como Deputado pela primeira vez, ele criou uma lei que beneficiou dezenas de moradores que estavam em uma área de proteção à regularizar seus terrenos, fazendo que cada um deles se tornasse proprietário de sua casa. Um gesto digno e de quem pensa no semelhante.

Político – Deu trabalho, mas valeu à pena!

Diabo    – Mas acho que o meu amigo não cumpriu direito sua missão com o nosso amigo Deputado.

Anjo      – Como assim?

Político – Como assim?

Diabo  – Por acaso meu amigo anjo tinha conhecimento que os maiores terrenos daquele lugar estavam em nome de pessoas de confiança do Deputado e que depois passaram os terrenos para ele, de graça?

Anjo       – Verdade?

Político  – Verdade, meu anjo!

Diabo    – Bom, eu poderia ficar aqui o dia todo enumerando os feitos brilhantes do nobre Deputado, mas acho que não é mais necessário nos alongarmos nessa disputa, meu amigo, anjo. Está decidido: O Deputado vem comigo!

Anjo      – Nada disso! Eu sei que ele tem inúmeros defeitos, mas, no fundo, é uma alma boa, e merece uma nova chance no paraíso, para reaprender e voltar como um novo homem.

Diabo   – Nem pensar! Não vou perder essa alma brilhante. Isso é um espécime raro de político corrupto!

O CORPO DO DEPUTADO NÃO PARA DE TREMER SOB O LENÇOL. O DEPUTADO PUXA DE DEBAIXO DO LENÇOL, O SEU CELULAR.

Político – Desculpe vocês dois, mas agora vou ter de atender. Tava vibrando demais no meio das minhas pernas..

O ANJO E O DIABO SE ENTREOLHAM.

Politico – Fala, Peixoto! Conseguiu o habbeas corpus?… Maravilha!… Manda preparar o jatinho que eu vou voar hoje mesmo… Claro!… Você acha que eu vou ficar dando sopa pra polícia me trancar como já fez com um monte?… Sou macaco velho! Se eu não caio doente aqui nesse hospital, que é do meu amigo, a polícia me pegava! Pode pedir para o Jarbas vir me buscar agora. Já tá na porta?… Isso que é eficiência, Peixoto. Merece até uma gratificação. Ok. Já estou saindo.

O DEPUTADO DESLIGA O CELULAR, DESLIGA OS FIOS DO APARELHO, SENTA NA CAMA PARA AMARRAR SEUS SAPATOS.

Anjo      – Que significa isso?

Político – Vem comigo que no caminho eu explico.

Anjo       – Como assim?

Político – Vamos, Anjo, eu não tenho muito tempo. A sua missão é cuidar de mim, não é? Então vamos!

Diabo    – Se o nobre Deputado permitir, posso lhe acompanhar.

Anjo       – Agora você não se mete que esse assunto é nosso.

Político  – Vamos, Anjo, eu não tenho a vida toda!

Anjo       – Eu não acredito que você enganou a mim e ao Diabo?

Diabo    – A mim, não! Eu só recebi uma mensagem avisando da entrada dele aqui no hospital, não podia perder a oportunidade. Tô de olho neste Deputado faz tempo.

Anjo       – Eu não acredito que você foi capaz de fazer isso comigo.

Político  – Precisava salvar minha pele. Queria que eu fosse preso?

Diabo    – Até um dia, nobre Deputado! O senhor é brilhante!

Anjo       – Era melhor!

Político  – Você é meu anjo, ou não é?

O DEPUTADO E O ANJO VÃO SAINDO DE CENA, DISCUTINDO. O DIABO SE DEITA NA CAMA.

Diabo    – É, o anjo pegou uma missão daquelas, porque com político, ninguém pode! Mas, um dia, ainda levo o nobre Deputado pra morar comigo no inferno! Já fico até imaginando o que a gente pode fazer juntos!

O DIABO SE LEVANTA DA CAMA E SAI ATRÁS DO DEPUTADO.

Diabo     – Deputado, tenho uma proposta pra lhe fazer! Espere!

– FIM –

 


Quando a dramaturgia ganha a cena

março 16, 2018

A dramaturgia nunca nasce de um texto pronto, primeiro tem-se a ideia e uma folha de papel em branco para se desenvolver uma história. Durante um bom tempo se exercita a arte de quebrar pedras atrás da frase perfeita, da palavra perfeita e, assim, depois de muito mais transpiração do que inspiração, o texto vai ganhando forma, até, finalmente ficar pronto para ser levado à cena.

Ontem dei o ponto final em mais um texto, que nasceu de uma ideia e de uma folha de papel em branco, só que este, em especial, foi desenvolvido em uma oficina de dramaturgia, sob a orientação de Samir Yazbek, um dos grandes dramaturgos deste nosso tempo, que emprestou sua generosidade e nos acompanhou, passo a passo, até o ponto final de nossos textos.

Terra Vermelha então deixou de ser apenas dramaturgia e ganhou a cena através de uma leitura dramática realizado no Sesc Santos, um ponto final em um texto que demandou muita transpiração e muito quebrar de pedras até chegar ao seu resultado final, e que ontem foi apresentado ao público pelos atores Marcia Bourbom, Ernani Fraga e Fabiano Santos e Alexandre Maradei.

Posso dizer que estou bem feliz com o resultado deste meu novo texto, um dos mais difíceis que já escrevi. Uma história que foi costurada sobre o pano de fundo de uma ocupação de terra, mas que fala da vida sofrida de uma gente que vive de esperança, mas que nunca é ouvida, que ninguém sabe das suas dores, das suas dificuldades e dos seus dramas.

Agora, é ficar na torcida para que Terra Vermelha deixe de ser uma quase cena e se transforme em um espetáculo teatral, coroando assim, essa minha mais nova dramaturgia, pois, enquanto ela não sair de vez do papel, será apenas literatura. Que Terra Vermelha vire logo teatro e ganhe os palcos contando essa história de dor e sofrimento de um povo que vive uma vida de gado.

Mais uma vez, quero manifestar a minha gratidão ao Sesc Santos por oportunizar esse encontro, ao Samir Yazbek por nos orientar tão generosamente e a todos os colegas da oficina que me ajudaram a colocar um ponto final em mais uma de minhas histórias. E que esta oficina tenha sido para todos, apenas o início de uma nova trajetória para que se sejam escritas novas dramaturgia. Parabéns a todos por essa peque vitória!


E AÍ, SEU GÊNIO?

junho 12, 2012

Em cena, um homem de meia idade, sentado no proscênio, tem uma corda amarrada no pescoço.

HOMEM – Não adianta! Não adianta!… Coragem, homem! Pula logo e acaba com essa vida miserável! Coragem!

O HOMEM SE LEVANTA, ANDA PELA CENA ATRÁS DE ALGO PARA AMAR-RAR A CORDA E TROPEÇA EM UMA GARRAFA.

HOMEM – Droga! É tanto lixo nesta droga de cidade que nem pra se matar um homem pode!

O HOMEM PEGA A GARRAFA.

HOMEM – Olha só isso: uma garrafa!

O HOMEM SACODE A GARRAFA.

HOMEM – Droga! Tá vazia! Bem que podia tá cheia! Assim eu aproveitava e tomava mais um pouco de coragem!

O HOMEM JOGA A GARRAFA, UMA NUVEM DE FUMAÇA ENCHE A CENA.

HOMEM – Que isso?

DA FUMAÇA, SURGE UM HOMEM VESTIDO DE GÊNIO.

GÊNIO – Obrigado por me libertar da garrafa, agora, o amigo tem direito a fazer três pedidos.

HOMEM – O quê?:

GÊNIO – Três pedidos! Qualé, tu nunca ouvi falar nas histórias de gênios?

HOMEM – Isso é uma alucinação! Deve ser efeito de tanto remédio e tanta bebida que misturei arrumando coragem pra me matar!

GÊNIO – E aí, mané? Vai ficar aí parado ou vai fazer logo os seus pedidos?

HOMEM – Quer dizer que você é um gênio?

GÊNIO – Um legítimo representante da classe dos gênios das lâmpadas mara-vilhosas! Taqui o meu cartão!

O HOMEM PEGA O CARTÃO QUE O GÊNIO LHE ENTREGA.

HOMEM – (LENDO O CARTÃO) Adamastor, o gênio! Trago o seu amor em três horas, tiro olho gordo, faço banho de descarrego, faço amarração, simpatia pra tudo de ruim na sua vida! Faça agora mesmo o seu pedido! Aliás, três pedidos!

GÊNIO – É isso! Serviço garantido! Pode pedir!

O HOMEM TIRA A CORDA DO PESCOÇO E A JOGA NO CHÃO.

HOMEM – Então tá certo! Quer dizer que posso pedir o que quiser?

GÊNIO – Pode!

HOMEM – Então, vamos lá!

GÊNIO – Mas pense bem, pois pedido feito é pedido atendido!

HOMEM – É qualquer coisa mesmo?

GÊNIO – Qualquer coisa! Aliás, três coisas! Tu tem direito a três desejos!

O HOMEM ANDA PELA CENA, PENSATIVO.

GÊNIO – Como que é? Eu não tenho o dia todo!

HOMEM – Calma aí! São só três pedidos, não posso errar!

O HOMEM CONTINUA ANDANDO. O GÊNIO PEGA A CORDA E COLOCA NO SEU PESCOÇO.

HOMEM – Seu gênio, posso pedir qualquer coisa?

GÊNIO – Já não falei que pode?

HOMEM – Então vou fazer o primeiro pedido.

GÊNIO – Manda!

HOMEM – Eu quero que você me dê coragem!

GÊNIO – É pra já!

O GÊNIO BATE PALMAS E DÁ UM ASSOPRO EM DIREÇÃO AO HOMEM.

GÊNIO – Pronto! Agora tu é o cabra mais macho desta terra!

HOMEM – Já to me sentido bem corajoso!

GÊNIO – Então, agora manda outro!

O HOMEM ANDA DE NOVO PELA CENA.

HOMEM – Um outro pedido… um outro pedido… Já sei!

GÊNIO – Vê se capricha, hein?

HOMEM – Eu quero ter muita força!

GÊNIO – É pra já!

O GÊNIO BATE PALMAS E DÁ UM ASSOPRO EM DIREÇÃO AO HOMEM.

GÊNIO – Agora você é o homem mais forte do mundo!

O HOMEM FAZ POSE DE FORTÃO. MOSTRA OS BÍCIPS.

HOMEM – É, já estou me sentido bem mais forte!

GÊNIO – Agora vê se capricha, porque é teu último pedido.

HOMEM – Deixa eu pensar!

O HOMEM ANDA PELA CENA.

GÊNIO – E aí, como é que é? Qual o seu terceiro pedido?

O HOMEM SE COLOCA NA FRENTE NO GÊNIO, LHE ARRANCA A CORDA DO PESCOÇO E LHE ACERTA UM SOCO. O GÊNIO DESABA, DESA-CORDADO.  O HOMEM PEGA A CORDA, A COLOCA EM SEU PESCOÇO E SE COLOCA EM PÉ NO PROSCÊNIO.

HOMEM – Eu não consigo nem concretizar um desejo, aí vem um maluco dizendo que é um gênio e me diz que vai me realizar três pedidos? Será que nem me matar em paz eu posso?

O GÊNIO SE LEVANTA.

GÊNIO – Teu desejo é uma ordem!

O GÊNIO BATE PALMAS E DÁ UM ASSOPRO EM DIREÇÃO DO HOMEM. A MÃO DO HOMEM GRUDA NA CORDA E ELE VAI APERTANDO A CORDA, MAIS, MAIS E MAIS.

HOMEM – (Quase sem ar) Socorro!!.. E aí, seu gênio, não vai me ajudar?

GÊNIO – Não posso fazer mais nada, o Mané aí já fez os três pedidos!

HOMEM – (Já de joelhos) Socorro!… Eu vou morrer!! Me ajuda!!

GÊNIO – Pediu, o Gênio realizou!

O HOMEM FAZ MÍMICAS PEDINDO QUE O GÊNIO LHE AJUDE, VAI TENTANDO SOLTAR A CORDA DO PESCOÇO.

GÊNIO – Agora preciso ir. Bye, bye… Manézão!

O GÊNIO BATE PALMAS, UMA NUVEM DE FUMAÇA ENCHE A CENA. O HOMEM CAI ESTIRADO NO CHÃO. BLACK-OUT.

FIM


Dramaturgia é outra coisa

setembro 23, 2011

Sei que este é um assunto que já tratei outras tantas vezes em outros tantos artigos, portanto, vou procurar não ser muito repetitivo. Acontece que tenho lido alguns textos para teatro, e eles podem ser tudo, menos dramaturgia. Então, acho que vale a pena mais uma vez, trocar experiências sobre o que eu aprendi e que ainda venho aprendendo sobre a peculiaridade de se escrever um texto para teatro.

Á primeira vista pode se achar fácil escrever um texto para teatro, basta trocar alguns diálogos entre alguns personagens e, pronto, temos um texto para teatro, dramaturgia pura. Ledo engano. O que tenho lido mostra que há uma grande confusão de gênero literário, uma mistura de conto narrativo com roteiro cinematográfico e algumas pitadas do universo teatral para deixar o texto familiar ao gênero teatro.

Soma-se a isso, a falta de criatividade, a deficiência com a escrita da língua pátria e o notório desconhecimento das ferramentas necessárias para se escrever para o gênero teatral. Porém, é possível perceber em alguns dos textos, que alguns tantos precisam apenas do aprendizado, pois mostram um mínimo de noção, mas a falta de conhecimento deixa claro que há uma deficiência, aliás, várias deficiências.

E como melhorar isso? Bem, estudando e escrevendo, fazendo e refazendo e, principalmente, freqüentando cursos e oficinas de dramaturgia, onde a troca de conhecimentos e as dicas sobre as ferramentas que compõem a construção do texto são fundamentais, Mas, infelizmente, a freqüência das oficinas de dramaturgia que dou, é baixíssima, uma pena. Eu, sempre que posso, faço cursos para aperfeiçoar o meu trabalho. Aprender é preciso.

Hoje ainda faço uso do que aprendi nas primeiras aulas de um curso de dramaturgia e que todo mundo que quer escrever para teatro tem obrigação de saber: dramaturgia não é drama na acepção da palavra, dramaturgia significa: ação, portanto, o que faz um texto de teatro é a ação provocando uma reação e essa ação precisa ser oriunda de um conflito, provocar um clímax e desaguar numa resolução, porque, uma história sem conflito, não precisa ser mostrada, pode ser simplesmente contada, e aí, deixa de ser dramaturgia.

A dificuldade que percebi nos textos que andei lendo é justamente esta, a história não é contada através das ações de seus personagens, na maioria deles, há muita narração de fatos e a utilização de artifícios de roteiro, pontuando algumas marcações cênicas, como se isso, já fizesse do texto, dramaturgia. Há de se pensar a história e visualizá-la em cima de um palco. As ações precisam mover a história em busca da resolução do conflito.

Por isso, quem gosta mesmo de escrever para teatro, precisa freqüentar cursos e oficinas de dramaturgia, porque escrever para teatro é um aprendizado eterno e infindável, pois, teatro fala das relações humanas e estas, estão sempre em conflito. É isso, os ingredientes para uma boa dramaturgia estão todos aí, basta apenas querer aprender.


Nem toda idéia vira texto.

junho 9, 2011

É muito comum encontrarmos por aí entre aqueles que querem escrever para teatro, a impressão simplista de que basta uma idéia na cabeça para ter o melhor texto do planeta. Como escrever fosse racional, matemático e exato. Não basta seguir o manual, devemos nos apoiar nele, pois nem toda idéia vira texto. Difícil? Se o caminho das pedras fosse fácil, não haveria tantas pedras no caminho. Mas, vamos ao que interessa.

Digamos que a sua idéia seja realmente algo que valha a pena ser contada através de uma peça de teatro, para isso, precisaremos do elemento que moverá a sua idéia e, consequentemente, a sua história: o conflito. Se a sua idéia não gera um conflito, esqueça a peça de teatro. Teatro é a arte da ação e toda ação provoca outra reação e para uma ação reagir à outra, precisa-se de um conflito e não uma simples idéia.

Justamente por achar que uma simples idéia basta para se ter uma história é que muitos emperram no meio do processo, ou até mesmo concluem seus textos, mas não fazem dramaturgia, e sim, narrativa contista. Escrever para teatro vai muito além de uma simples idéia, pois tem que ser contado no tempo presente e tem de desaguar numa resolução para o dilema que tal história nos contou.

A idéia é apenas o ponto inicial de um processo longo e árduo. É um trabalho que vai demandar horas e horas até seu ponto final e, que muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, nem é seu ponto final, pois sobre a nossa história ainda pairará a visão do diretor que montará o espetáculo e do ator que o interpretará. A impressão pode até ser simplista, mas a forma de fazer é por demais, complicada.

Penso que cada idéia deva servir de exercício para quem quer se iniciar na arte da dramaturgia, pois nada é novo, mas há de se ter a novidade, é o chamado: “fazer o mais do mesmo”. Por isso, mas do que se preocupar em colocar a sua idéia no papel, se preocupe primeiro em conhecer todas as técnicas e teorias de como conceber a chamada “carpintaria teatral”. Busque na sua idéia o que causa o conflito, aí sim se pode começar a pensar em escrever.  

O processo de escrever um texto para teatro é interminável e inesgotável, pois é através dele que se leva aos palcos, a vida em pequenas pílulas, contada em diálogos, mostrando os dramas, as emoções e as celeumas do Ser humano e a arte de transformar cada uma dessas histórias em um texto para teatral, jamais pode advir da impressão simplista de que basta uma idéia para se ter o melhor texto do planeta.

Escrever se aprende todo dia, praticando, observando comportamentos, situações e conflitos do cotidiano da vida de cada um. Na maioria das vezes, um simples fato corriqueiro ocorrido diante de nossos olhos, se transforma num texto que uma idéia jamais conseguiria imaginar. Idéia pode ser o início, ou fim de um texto, nunca o texto.